Imagine uma lei capaz de tributar R$ 100 milhões, cobrando 50 centavos de cada um dos 200 milhões de brasileiros. Esses R$ 100 milhões serão divididos entre mil pessoas, em partes iguais de R$ 100 mil.
A lei será custeada por gente como José, um brasileiro comum que perderá um real após a aprovação, 50 centavos dele mais 50 do filho que ele sustenta. Se José recebe em média R$ 500 por 40 horas semanais de trabalho, ele banca o prejuízo em menos de cinco minutos trabalhando.
Ainda que José esteja completamente informado sobre os custos e benefícios da nova lei, ainda que ele fique enojado vendo o dinheiro de um povo pobre repassado sem motivo a uns poucos ricos amigos do poder, pode ser racional ficar em casa e não combater a injustiça que se tenta passar no Congresso. Agentes racionais pensam na margem – para José, o custo marginal da nova medida é baixo. Se ele for num protesto contra a nova lei, vai gastar bem mais do que cinco minutos.
A palavra privilégio vem da latina privilegium, etimologicamente um direito para poucos. Aos privilegiados do nosso exemplo, a nova lei repassará R$ 100 mil, equivalentes a quase quatro anos de trabalho para José. É racional que os beneficiários se esforcem muito pela aprovação. Quanto mais gordo o benefício, mais árduo será o esforço para aprová-lo.
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O problema fundamental da economia – a origem da riqueza das nações, que motivou Adam Smith – está quase chegando numa resposta consensual: boas instituições incentivam prosperidade. Instituições são as regras e costumes que tornam o mundo mais previsível. Algumas regras incentivam a produção de riqueza, outras incentivam a extração do que foi produzido por outras pessoas.
Como é característico das boas respostas, essa abre muitas perguntas. Por que instituições pró-extração persistem, se as instituições existem em nome do povo e a riqueza da nação é de interesse público?
O embate entre benefícios concentrados e custos dispersos nos permite entender por que instituições supostamente subordinadas ao interesse público, como parlamento e Tesouro Nacional, frequentemente contrariam os interesses do público. Na última semana, o aumento de salários do judiciário foi um exemplo num país já acostumado ao mesmo script.
A expansão do BNDES sob o PT, os direitos antissociais que a Constituição garante a funcionários públicos, a influência política da FIESP nas últimas décadas e as doações dos grandes bancos para campanhas são outros acontecimentos que se encaixam na mesma abstração que descrevi no início da coluna. Poucos fazem muito esforço para causar um pequeno prejuízo a todos.
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Em toda a histórica republicana, o Estado brasileiro foi generoso com interesses setoriais da elite política, industrial, financeira ou servidora. Desigualdade, tamanho do território, concentração dos recursos em Brasília e outras características nacionais tornam nossas instituições propícias à concessão de privilégios. Como resultado, torna-se racional buscar uma boquinha, ao invés de produzir.
No elogiado livro “Por que o Brasil cresce pouco?”, Marcos Mendes aponta a relação entre orçamento e interesses concentrados como chave para explicar nosso subdesenvolvimento. O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e integrante da equipe econômica nos tempos de Palocci, é outro que chama o Brasil de “país da meia entrada” para ressaltar a terra fértil aos privilégios.
Os custos de se viver no país da meia entrada são indiretos, mas não desprezíveis: baixo crescimento, alta desigualdade, cara carga tributária, taxa de juros nos céus, judiciário lento, parco investimento em infraestrutura, burocracia infernal e outros atrasos que explicam a pobreza brasileira derivam da concessão de benefícios concentrados bancados pela coletividade.
Todos nós somos José e beneficiários de privilégios ao mesmo tempo, porque assim funciona o país da meia-entrada. O Congresso frequentemente toma decisões do tipo para atender interesses de estudantes, moradores de estados que não conseguem fechar suas contas, servidores, empresários, grupos diversos a ponto do leitor provavelmente faz parte de algum.
A revolta popular contra aumentos do teto salarial de servidores é justa, mas insuficiente: além de exigir recuos de Temer, a indignação contra os privilégios precisa ser canalizada em novas propostas para reformas do Estado, que desincentivem a extração de renda e ataquem a face estrutural do problema.
O atraso do Brasil não se resume a uma elite política ruim, recentemente exemplificada por Eunício de Oliveira. O verdadeiro mal está na persistência de tipos como Eunício Oliveira. Acabamos de trocar a elite política e mandar velhas raposas para casa. Se o trabalho não for completo, se não houver uma reforma profunda do Estado, a nova elite tende a repetir todos os pecados da atual.
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