A República Velha tem sido injustiçada pela historiografia nacional. A melhor evidência desta injustiça está no seu nome: nos referimos ao período através do xingamento cunhado por seus opositores.
O Brasil daqueles tempos não foi um paraíso. Seus problemas são evidentes, como a dificuldade de controlar as contas públicas e a presença de uma elite parasitária que moldou o sistema político conforme interesses particulares. Mas esses problemas não são exclusivos daquele período.
O atraso econômico do Brasil data principalmente do século 19, do período monarquista. Segundo a Angus Maddison Database, melhor fonte para dados antigos de PIB per capita, em 1800 os brasileiros tinham uma renda média equivalente a 600 dólares de 2011; em 1900, nosso PIB per capita era de U$ 606. Ao longo do mesmo século 19 no qual nossa renda se manteve estagnada, Estados Unidos, Chile e Argentina mais do que triplicaram o PIB per capita local.
Foi nas primeiras décadas do século 20, durante a tal República Velha, que o Brasil se integrou ao que Deirdre McCloskey chama de “Grande Enriquecimento”, o crescimento sustentado no longo prazo, maior acontecimento das sociedades humanas nos últimos séculos. Dos U$ 606 de 1900, chegamos a U$ 686 em 1910, U$ 860 em 1920 e U$ 936 em 1930.
Em outras palavras, o país que viu sua renda crescer apenas 1% durante todo o século 19, cresceu 13,2% na primeira década do século 20, depois 25,4% na segunda década e 8,83% na década que precedeu a Revolução de 1930.
Essas taxas de crescimento dizem muito sobre o motivo pelo qual estou escrevendo este texto. A Gazeta do Povo, fundada em 1919, é um dos legados deixados por um Brasil que se modernizava em ritmo nunca antes visto na sua história.
Naquela República que chamam de velha, o Brasil velho e agrário começou a morrer. Foi quando a industrialização brasileira começou a ganhar forma, trazendo com ela uma sociedade civil ainda inexistente por estas bandas.
Três anos após a fundação da Gazeta, viria a Semana de Arte Moderna em 1922. Também na década de 1920 foram fundados jornais concorrentes, como a Folha de São Paulo (1921) e O Globo (1925). Curitiba tinha uma população aproximada de 24,5 mil habitantes em 1890, passando a cerca de 79 mil pessoas em 1920 e superando os 140 mil em 1940. A Gazeta é fruto de um Brasil que iniciava uma modernização contínua, ainda que tortuosa.
As taxas de crescimento também explicam a Revolução de 1930 por aqueles que chamaram de “velha” a primeira fase da nossa república. Como já escrevia o francês Alexis de Tocqueville, as grandes mudanças sociais não nascem apenas do mau desempenho econômico. A história favorece novos rumos principalmente quando um grande avanço é seguido por um desempenho ruim da economia.
A taxa de crescimento na década de 1910-1920 foi aproximadamente o triplo da vista entre 1920-30. A crise de 1929 pegou o país em cheio. Em 1930, o PIB per capita do Brasil era o mesmo de 1923. O Brasil parou de mudar – e a sociedade brasileira não aceitou a estagnação. Tamanha frustração de expectativas abriu o caminho para Getúlio Vargas e seus tenentes.
Se a modernizante República Velha tinha instituições fechadas, dominadas por elites que usavam e abusavam da repressão violenta a opositores, fechamento ainda maior ocorreu com o próprio Vargas ao longo dos anos 1930, assim como na ditadura militar.
Se a instabilidade econômica marcou o início do século 20 no Brasil, é justo apontar que esta foi a regra ao longo de todo o resto de século, e também neste início de século 21.
Ainda lutamos contra os mesmos erros do passado. Dilma repetiu erros de Vargas, JK e Geisel ao tentar induzir o crescimento econômico através do descontrole das contas públicas. A centralização de decisões na capital, marca do período pós-1930, é um dos desafios a serem enfrentados pelo Brasil de hoje. As elites parasitárias continuam por aí, livres, gordas e soltas – desde a Lava Jato, felizmente, nem tão livres e soltas.
Uma mudança nada desprezível está na liberdade de imprensa, da qual gozamos hoje em escala historicamente inédita. Esta feliz mudança permitiu a renovação da Gazeta nos últimos anos, na qual o papel foi substituído pelo site, o noticiário de curto prazo deu lugar à análise crítica e independente. A autonomia com relação ao governo permitiu, justamente na era petista, o povoamento do jornal por colunistas liberais e conservadores que não se limitam às fronteiras do Paraná.
Economicamente, na década que precedeu o centenário da Gazeta do Povo ainda enfrentamos muitos desafios que marcaram os primeiros 10 anos de jornal. Mas as constantes históricas, felizmente, não se restringem ao lamentável: seja em 1919 ou 2019, a história da Gazeta se confunde com a modernização da nossa sociedade civil.
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