“Assistimos há pouco um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá. Não é, Ernesto? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora.”
Eis o posicionamento de Jair Bolsonaro sobre as especulações de que Joe Biden poderia punir o Brasil por sua política ambiental. Torço para que a menção à pólvora seja apenas mais um exemplo de um estilo, digamos, folclórico do presidente brasileiro. Mas é curioso que, num momento em que até a Fox News deixa de agir como imprensa oficial e passa a criticar a insistência de Donald Trump em não aceitar a derrota, Bolsonaro decida pisar no acelerador do trumpismo, chegando até mesmo a falar em “pólvora” contra os EUA de Biden.
Ao contrário do que acredita o presidente, a diplomacia pode, sim, resolver o conflito em torno da política ambiental brasileiro. E um dos resultados das negociações com os EUA pode ser um velho desejo de Paulo Guedes: um acordo de livre comércio entre o Brasil e a maior economia do continente. Cairia bem uma integração entre Nafta, Mercosul e Aliança, talvez uma reedição da velha Alca.
Um acordo do tipo atenderia aos melhores interesses americanos. Como nação líder do mundo livre, faz sentido que os Estados Unidos busquem aproximar a América Latina da sua esfera de influência, ocupando um espaço antes que a China faça o mesmo.
A ala moderada do Partido Democrata, à qual Biden faz parte, tem um histórico de adesão a acordos de comércio. Esta foi uma das pautas quentes no fim do governo Obama. Com dificuldade para navegar num congresso oposicionista, Obama usou acordos comerciais para dialogar com a ala moderada do Partido Republicano, que costumava ser simpática ao assunto antes da ascensão de Trump. Como os Democratas devem ficar com pelo menos 48 senadores, bastariam 2 votos republicanos para aprovar novos acordos comerciais.
Qual a relação entre um acordo de livre comércio e a Amazônia? Simples: é comum que esse tipo de acordo inclua mais do que a simples retirada de barreiras alfandegárias. Outros tipos de compromisso – regulatório, ambiental, etc – estão no escopo deste tipo de acordo.
Desde que entrou no cargo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, responde à pressão internacional da mesma forma: diz que se outros países querem que o Brasil gaste mais na fiscalização do desmatamento amazônico, eles deveriam ajudar a cobrir esses gastos. Biden já se mostrou disposto a destinar dezenas de bilhões de dólar para este fim.
Mais do que isso, um acordo de integração econômica poderia prever investimentos estrangeiros não apenas na proteção da biodiversidade amazônica, mas através de estudos sobre como essa biodiversidade pode gerar riqueza para a população local. Além do exército mais poderoso, os EUA possuem as melhores universidades do planeta e são responsáveis por boa parte dos investimentos em P&D.
Além de fornecer exatamente o reforço que Salles pede no combate ao desmatamento, uma parceria com os EUA pode atender outra demanda que o governo sempre externa ao falar sobre meio ambiente: apoio a iniciativas de desenvolvimento para a região, para que o crescimento econômico venha junto com a proteção ambiental. A riqueza natural, de fato, não pode conviver com a pobreza humana.
É claro que nada disso viria sem uma contraparte do Brasil. O país precisaria se comprometer com metas de redução do desmatamento, além de estar sujeito à fiscalização dos países que financiaram a proteção da biodiversidade amazônica.
Há, é claro, quem denuncie o assunto como violação da soberania brasileira. Bobagem. Assim como o FMI exige contrapartidas quando salva um país da bancarrota, é natural que o dinheiro estrangeiro venha junto com uma maior prestação de contas ao estrangeiro. Não haveria imposição neste caso, apenas cumprimento de acordos.
Transformar o conflito em torno da Amazônia em oportunidade para avançar a agenda comercial de Guedes atende aos melhores interesses nacionais. Esta hipótese, porém, depende de um governo que aja como adulto. Bolsonaro precisa entender que diplomacia não é amizade. Relações diplomáticas se dão entre Estados, e não entre chefes de Estado. Se esta obviedade tiver espaço na visão de mundo bolsonarista, o problema de hoje poderá ser a benção de amanhã.
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