Para a maioria dos candidatos, esta eleição começou há pouco tempo, quando imaginaram a possibilidade de vestir uma faixa bonitona. João Amoêdo nunca concorreu para ganhar. Seu objetivo, desde o início, é coroar os sete anos como líder e principal face pública do Novo. Amoêdo entrou na disputa para consolidar uma nova força política – por isso, é o único que termina agosto com alta probabilidade de sucesso em outubro.
Dados os parâmetros de um partido novo cujos políticos nunca foram políticos, estar à frente dos presidenciáveis de MDB e PSOL nas últimas pesquisas sugere um estrondoso sucesso.
Nenhum outro novo partido desde 1989 – PSOL e Rede inclusos – foi tão radical em buscar líderes sem experiência na máquina pública. É difícil encontrar um candidato do Novo que já tenha disputado eleição ou seja filho de político.
Dos quatro vereadores eleitos em 2016, o mais velho foi o professor universitário Mateus Simões, 35 anos. A paulistana Janaína Lima foi eleita aos 31, o porto-alegrense Felipe Camozzato tinha 28 e Leandro Lyra se tornou vereador do Rio de Janeiro aos 23. Todos abrem mão de milhões em verba de gabinete, o que é tão simbólico quanto admirável, dados os cortes que o partido propõe nos privilégios de terceiros.
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É uma experiência política diametralmente oposta dos outros partidos que se denominaram liberais desde 1989, todos representantes do patrimonialismo e distantes da sociedade civil: o PFL foi comandado pelos últimos coronéis do Nordeste, o PL de Valdemar da Costa Neto elegeu o vice-presidente de Lula em 2002 e o PSL era propriedade privada de Luciano Bivar até outro dia.
O sucesso de Amoêdo não deve ser medido pelo resultado desse ano, mas por sua capacidade de encaminhar um projeto de longo prazo. Seu objetivo é mais parecido com o de Lula nos início dos anos 1980: ocupar o Estado de fora para dentro, arregimentando as forças da sociedade civil que se veem ignoradas pelos partidos.
De 1980 a 2003, mesmo aproveitando os frutos baixos de um país que se redemocratizava, o PT levou 23 anos para assumir a Presidência da República. Não há motivo para crer que a vida do Novo, defensor da economia de mercado num país desigual, será mais fácil.
Ser protagonista de um sistema partidário é tarefa das mais difíceis, raríssima historicamente, possível apenas após décadas de trabalho e sorte. O Novo deve ter seu foco nos pleitos legislativos de 2018, enfrentando a concentração dos seus eleitores nos estados do Centro-Sul, os mais concorridos e relativamente menos representados no Congresso.
Uma bancada de dois dígitos, contando Câmara e Senado, já representaria um sucesso inesperado e historicamente inédito. Até semana passada, escreveria sem medo que a meta é impossível – hoje, acho apenas improvável. Caso Amoêdo divulgue o partido com sucesso, objetivo que parece encaminhado, o Novo pode surpreender.
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Qual deve ser a meta realista? Impossível dizer, porque nunca houve nada igual ao Novo – e é justamente por isso que Amoêdo vai perder ganhando, porque já conseguiu o que ninguém fez.
Dadas as condições iniciais, sem candidatos experientes ou apoio do fundão eleitoral, eleger qualquer bancada em Brasília já será positivo. Salvo uma catástrofe até outubro, a eleição de ao menos um deputado federal parece bem provável.
Após o pleito, os desafios ainda serão gigantes. O primeiro é definir quais ideias o Novo pretende representar. Colocando de outro modo, falta apresentar que liberalismo será o do Novo, dado que a palavra é frequente nos discursos do partido.
Há divergências internas com relação às pautas de liberdade nos costumes, pois Amoêdo frequentemente se omite ou adota posições conservadoras. É uma justa crítica, mas tem sido exagerada por quem não cobra o mesmo dos políticos “progressistas” que nunca priorizaram a legalização das drogas ou do aborto – Lula, Dilma e Ciro Gomes puxam a fila. Enquanto a maioria dos eleitores não der importância à questão, a oferta infelizmente seguirá a demanda.
O mais importante para o Novo é ajustar seu discurso para que atingir mais do que um minúsculo nicho social. Hoje, o partido é conhecido apenas pela parcela mais escolarizada da população, onde estão quase todos os seus apoiadores.
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Entendo as razões filosóficas que levaram Amoêdo a declarar que vai “combater a pobreza e não necessariamente a desigualdade”, porque “somos, felizmente, diferentes por natureza”. Mas o Brasil não é desigual porque somos diferentes. As injustiças sociais que determinam nossa alta desigualdade são visíveis à maioria dos eleitores. Falta ao Novo entender a realidade brasileira e a ela se adaptar. Antes de aumentar seu alcance, o partido precisa abandonar esses traços elitistas do discurso.
O maior desafio será fugir da camisa de força na qual o partido se mete ao rejeitar qualquer apoio do fundão eleitoral. Como será possível disputar com adversários que recebem do governo o mesmo valor que Amoêdo acumulou durante a vida inteira? Como sair da bolha de alta renda, se os candidatos dependem de alguma pessoa física disposta a doar vultosos recursos?
É fácil renunciar ao pragmatismo agora. Hoje, vale mais um bom argumento para defender que “só o Novo é novo” do que o dinheiro do fundão. No futuro, as armas que o Novo usa para se promover no curto prazo dificultarão o crescimento do partido. Por falar nisso, a regra que impede candidatos com mandato de disputar cargos maiores já causou atritos graves no Rio de Janeiro, onde o vereador Leandro Lyra foi proibido de concorrer a deputado federal.
Não se sabe quão grande será o sucesso do Novo, mas o partido tem tudo para terminar as eleições como ator relevante, já sendo a iniciativa liberal de maior sucesso das últimas décadas, expressão mais pura da sociedade civil a surgir desde o PT.
Eleger-se presidente é tarefa do destino e das circunstâncias. Mudar o destino e as circunstâncias da política num horizonte longo de tempo, construindo um partido a partir do nada, passo por passo, exige muito mais esforço e habilidade do que qualquer coisa alcançada por Dilma Rousseff ao longo da vida. Por esse ponto de vista, Amoêdo corre em passos largos para a vitória.
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