Estamos em 2015. Ciente de que o Brasil entra na maior recessão da sua história e pode passar uma década com alto desemprego, Dilma Rousseff propõe um novo programa social.
Dilma promete que, assim, criará milhões de vagas de trabalho que permitem uma renda mensal entre um e seis salários mínimos sem qualquer custo ou risco para o governo. Ao mesmo tempo, o programa social promete diminuir o custo de vida para uma parte da população e aumentar a eficiência produtiva de outros setores da economia.
Confesso, leitor, que essa história não faz o menor sentido. Primeiramente porque, como bem sabemos, Dilma Rousseff não será lembrada por falar coisa com coisa. Os resultados acima, apesar de soarem esplêndidos quando retoricamente associados a um programa social, de fato ocorreram. Mas com o boom dos aplicativos na economia brasileira.
Quem perdeu com o boom dos aplicativos que empregou 4 milhões de brasileiros? Poucos. Em geral, taxistas, grupo numericamente pequeno, cuja renda dependia de uma regulação antiquada. Além de gerar custos desnecessários aos motoristas, o velho sistema de alvarás era tomado pela corrupção. Poucos magnatas utilizavam-se de fraudes para acumular diversos alvarás, cobrando diárias extorsivas de taxistas que passaram até a ganhar mais com o Uber.
A destruição criativa dos aplicativos foi até pouco destrutiva, comparada ao valor econômico gerado. Nosso mercado de trabalho não estaria melhor sem os aplicativos. Pelo contrário: é quase certo que estaria pior.
É verdade, existem problemas. Um deles, cada vez mais frequente, é a sobrecarga de trabalho para muitos motoristas Uber ou entregadores Rappi. Tais condições influenciaram o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª região na decisão de igualar os trabalhadores de aplicativos a funcionários comuns, cujo regime deve seguir a CLT. O tribunal ignora que as empresas de aplicativo não determinam a jornada de trabalho dos cadastrados, fruto de decisão pessoal.
A decisão pessoal de dirigir o Uber durante 14 horas por dia, 7 dias por semana, é fruto de homens e mulheres desesperados. Gente que tinha alta escolaridade e bons empregos, mas foi engolida pela crise e tenta a todo custo – inclusive físico, mental, emocional – manter um padrão de renda próximo ao que tinha em outros tempos.
Muitos dos problemas que vemos na rua são frutos de um país economicamente devastado, sem empregos suficientes. Os aplicativos são a morfina que muitos trabalhadores encontraram para se proteger. Graças à tecnologia, a dor das famílias foi menor. Ao invés de tornar certas decisões ilegais para os trabalhadores de aplicativos, é muito mais importante garantir que eles tenham alternativas melhores. Se o engenheiro tivesse a mesma vaga que ele tinha há 8 anos, ele não se submeteria a jornadas extenuantes.
Uma reportagem recente da BBC com entregadores Rappi que usam bicicleta, uma das categorias mais mal pagas dentre os trabalhadores de aplicativos, indica uma renda que pode superar 2 salários mínimos em São Paulo. Noutros aplicativos, os relatos chegam a superar 6 salários mínimos.
Por isso, não podemos abordar o assunto com um tom condescendente. Os aplicativos pagam mal para alguns, mas pagam a muitos, a milhões de pessoas, com uma renda que tira qualquer um da pobreza extrema nos padrões brasileiros. Essa história também envolve o exemplo do eletricista que, ao vender seus serviços num aplicativo, passou a ganhar mais e viver melhor. Também é a história do faxineiro que passou a ganhar muito mais ao juntar dinheiro, comprar uma moto e trabalhar na Rappi. Há certo elitismo quando dizemos que os trabalhadores de aplicativos ganham mal. Mal é relativo. Na realidade brasileira, muita gente passou a ganhar melhor com as recentes inovações.
É importante destacar que as principais empresas do setor não lucram muito. Pelo contrário, são conhecidas pelos prejuízos sucessivos. Além de gastarem muito com processos devido à insegurança jurídica, as empresas se matam oferecendo descontos, promoções e baixas tarifas aos clientes. E aqui chegamos num ponto crucial. Por mais que existam benefícios imensos para os trabalhadores de aplicativos, essa nova realidade econômica beneficiou ainda mais o consumidor.
Isso se expressa no custo, mas também na facilidade de reclamar no caso de um mau serviço. Por um aplicativo, alguns cliques bastam e a resolução de conflitos costuma durar minutos, quase sempre favorecendo o consumidor. E os custos certamente permitiram que mais gente tivesse acesso à cidade. A periferia também pega Uber. Para ela, os 20% a 30% de redução no preço da corrida fazem toda a diferença.
Como se não bastasse, as inovações dos últimos anos beneficiaram as empresas. O restaurante pode focar na comida e sua embalagem ao invés de administrar motoboys. O escritório de advocacia já não precisa juntar tantos recibos quando seus funcionários vão a tribunais e juntas comerciais. Com a difusão de aplicativos de entrega, o e-commerce deve ganhar força e se democratizar, com a localização física de uma loja tendo cada vez menos influência no seu lucro. Custos e prazos de entrega caem vertiginosamente.
Frente a tudo isso, não há apenas flores. Há trabalhadores desesperados, um país sem oportunidades e muito sofrimento das famílias. Mas o desespero, o sofrimento e a falta de oportunidades não seriam melhores sem os aplicativos. O saldo é positivo.
Há quem trate o caso como prejuízo geral aos trabalhadores, exploração pura e simples por parte de capitalistas gananciosos. Longe disso. Se os resultados gerados pelos aplicativos viessem de um programa social, seria um sucesso unânime. Mas não vieram, não. Vieram das virtudes burguesas, e é isso que certos operadores do direito não conseguem tolerar. Eles nem sequer concebem a possibilidade de virtude na inovação privada, visando lucro. Acham que o processo de mercado é moralmente errado, por princípio.
Da destruição criativa, muitos dos nossos juízes só enxergam a parte da destruição. É por isso que eles estão perdendo o debate. A cada dia que passa, são engolidos pela criatividade.
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