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Bolsonaro saúda apoiadores em ato deste domingo (15): presidente continua a desdenhar da gravidade do coronavírus.
Bolsonaro saúda apoiadores em ato deste domingo (15): presidente continua a desdenhar da gravidade do coronavírus.| Foto: Sergio Lima/AFP

Na terça-feira (17), Bolsonaro voltou a usar a expressão “histeria” para se referir à pandemia do novo coronavírus: “esse vírus trouxe uma certa histeria e alguns governadores estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia", disse o presidente. E completou: “vai ter uma festinha aqui, até porque faço aniversário dia 21 e minha esposa dia 22; são dois dias de festa".

Foi mais uma ocasião na qual Bolsonaro repetiu o mesmo discurso, lamentando a paralisação da economia e minimizando o perigo da covid-19 para o sistema de saúde pública.

O discurso do presidente brasileiro é muito distinto daquele expresso por outros chefes de Estado. A esmagadora maioria deles adota tons preocupados para falar daquela que é a maior crise de saúde pública em muitos anos, talvez décadas.

A própria direita está dividida – e cada vez mais distante de Bolsonaro. Ronaldo Caiado, um dos únicos governadores que apoiam o presidente, foi vaiado por bolsonaristas no fim de semana por reprovar as manifestações pró-governo em tempos de coronavírus. Lá fora, Boris Johnson e Donald Trump são cada vez mais enfáticos sobre a gravidade da pandemia em seus discursos.

Repare, caro leitor: até agora, escrevi fatos. Bolsonaro diverge dos seus pares. Foi com Olavo para um lado, viu o mundo indo para outro. O futebol parou, Eurocopa e Copa América foram canceladas. Libertadores e Champions League estão paradas. Será que Bolsonaro está certo e o mundo vive um surto de histeria? Eu não apostaria nisso. O tempo vai responder.

Agora, entro no campo da opinião: trabalho com a premissa de que a pandemia é um problema de extrema seriedade. Nenhum país viu o número de casos disparar sem graves estragos no sistema de saúde, cada vez mais sobrecarregado; e nenhum país desacelerou o número de casos sem medidas drásticas. Aqueles que desdenham do assunto e expressam essa opinião publicamente têm sido ridicularizados em questão de dias, conforme o vírus se alastra.

Se você concorda com a premissa que expus acima – a de que não há histeria, pois a pandemia de covid-19 é tão séria quanto diz a OMS -, concordará também que os últimos movimentos de Bolsonaro são extremamente arriscados.

Mesmo depois da participação nos protestos de domingo e da entrevista à CNN Brasil, Bolsonaro ainda tinha tempo de recuar. Na terça (17), dia da primeira morte de um brasileiro, ele preferiu dar as declarações que abrem esta coluna, desdenhando da pandemia e prometendo duas festas de aniversário na próxima semana.

Quanta gente vai morrer de coronavírus no Brasil? Esta é uma pergunta difícil até para epidemiologistas, pois o vírus acabou de começar a ser estudado. Mas um cenário com elevado número de mortes nos próximos meses é possível e, neste caso, não vai faltar quem lembre do que Bolsonaro fez e falou sobre a pandemia ou suposta “histeria” coletiva.

Num possível cenário com alto número de mortes, a maioria delas ocorrerá nas cidades onde a pandemia começou a circular mais cedo: as duas maiores do país. Nas outras regiões, o tempo é aliado. Bolsonaro deveria pensar melhor sobre o impacto que suas palavras podem ter. Se as notícias sobre o que ocorre na Itália não serviram como alerta até agora, alguém deveria contar ao presidente quais são os dois maiores colégios eleitorais do país.

Em São Paulo, por sinal, Janaína Paschoal pede impeachment de Bolsonaro por atentado contra a saúde pública. Miguel Reale Jr., mais de uma vez, já disse que vê fundamentos para o impedimento do presidente. Em mais de um ano de governo, nunca vi tanta gente se dizendo arrependida do seu voto, começando pelo meu colega Francisco Razzo, aqui da Gazeta.

Quanto maior a insistência na estratégia de minimizar a pandemia, piores são as perspectivas de futuro do bolsonarismo. Cada morte, a partir de hoje, será lembrada junto com as declarações que o presidente deu nestes primeiros dias de pandemia. Cada UTI lotada trará, na cabeça dos brasileiros, a imagem do presidente dizendo que isso tudo não passa de histeria.

Bolsonaro sempre teve orgulho de ignorar especialistas. Todo mundo sabe disso. A questão é que ninguém seria capaz de imaginar o custo que a ignorância presidencial poderia trazer ao país. Meio sem saber, dando opinião sobre assuntos que pouco compreendia, o presidente apostou muito alto – e pode perder tudo.

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