Em agosto de 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro enviou seu plano de governo ao TSE, a credibilidade de Paulo Guedes começou sua longa descida pelo ralo. Confesso ao leitor que, até aquele momento, minha impressão sobre o futuro ministro da economia era bastante positiva. Guedes se apresentava como um liberal fiscalista, defensor de privatizações, reformas e realismo orçamentário. Mas ali, em agosto de 2018, esta imagem positiva começou a mudar. No plano de governo enviado por Jair Bolsonaro, já constavam lorotas facilmente identificáveis por qualquer economista familiarizado com as contas públicas brasileiras.
O então candidato a ministro Paulo Guedes prometia, dentre outras coisas, zerar o déficit federal ainda em 2019, primeiro ano de governo, e passar quatro anos sem aumentar impostos. Naquele momento, qualquer analista sabia que, mesmo num cenário de alto crescimento, as despesas obrigatórias do governo federal inevitavelmente seriam maiores que a arrecadação primária em 2019. A probabilidade de Guedes entregar o prometido era nula. A única forma de zerar o déficit tão rapidamente seria aumentar impostos. Observando os números, ainda naquele distante agosto de 2018, escrevi que uma eventual gestão de Guedes provavelmente teria déficit nos quatro anos. Era uma previsão banal. Infelizmente, está se confirmando.
Também naquele momento, outro assunto começou a inspirar promessas pouco críveis de Paulo Guedes. A prometida arrecadação de um trilhão de reais com privatizações já era impossível desde o primeiro momento. Zeina Latif, então economista-chefe da XP Investimentos, apontou que nem mesmo a venda de todas as estatais controladas pelo governo federal seria capaz de gerar um trilhão em arrecadação.
Ainda naqueles discursos anteriores à vitória de Bolsonaro, Guedes também prometeu uma forte redução de 50% no preço do gás nos dois primeiros anos de governo. A promessa não estava condicionada à nova Lei do Gás, recém-aprovada. Guedes acreditava que a venda de subsidiárias da Petrobras no setor de gás seria suficiente para derrubar o preço. Ao fim do período, o botijão de gás aumentou 50%. O choque de energia barata, que Guedes prometia como remédio para reindustrializar o Brasil, foi mais uma desilusão.
A culpa pelo descumprimento de tantas promessas não é do novo coronavírus. Como disse, a probabilidade de Bolsonaro terminar seu mandato com quatro anos de déficit sempre foi o cenário-base dos analistas suficientemente atentos. Economistas liberais, como a já citada Zeina Latif (no caso das privatizações) e Adriano Pires (uma das grandes autoridades do país quando o assunto é óleo e gás) apontaram por muito tempo a completa irrealidade das promessas de Guedes. Mas, de fato, o novo coronavírus se integra ao assunto da coluna. Afinal, o ministro usou a oportunidade para queimar ainda mais a sua credibilidade, que já vinha decaindo.
Já em março, após a OMS declarar pandemia, Guedes famosamente prometeu que “com 3, 4 ou 5 bilhões, a gente aniquila esse vírus”. Prometeu também 40 milhões de testes que conseguiria com um amigo inglês. Nada entregue.
Por que volto a essa retrospectiva no momento? Não é apenas para criticar o ministro – apesar da crítica ser justa e necessária para o bom funcionamento da nossa democracia. A questão é outra: neste momento, de imensa incerteza envolvendo o futuro das contas públicas e mesmo o da economia brasileira como um todo, mais do que nunca precisamos de um ministro da economia cuja palavra tem credibilidade.
A palavra de um ministro não é privada – não diz respeito apenas a ele. Confesso ter me surpreendido quando notei que Guedes não entende essa dimensão do seu trabalho. Segundo o ministro, a promessa de zerar o déficit em 2019 não teve nada de errado, pois serviria para motivar sua equipe. Não faz o menor sentido, dado que a promessa apenas garantiu que a equipe terminaria o ano sem cumprir a meta, que sempre foi impossível. Porém, o que mais me assustou foi a incompreensão de Guedes em relação à importância da própria credibilidade.
A credibilidade de um ministro como Paulo Guedes é um bem público, beneficia a todos os brasileiros sem distinção. Um ministro crível pode guiar as expectativas de mercado e influenciar o que os agentes pensam sobre o futuro. A macroeconomia das últimas décadas tem ressaltado a centralidade das expectativas para a análise econômica. A Universidade de Chicago, onde Guedes estudou, foi uma das que avançaram no estudo desses temas. Aparentemente, nosso ministro parou de se interessar pela literatura macroeconômica pouco depois de terminar o doutorado. Guedes, apesar do alto diploma, foi um homem de mercado, um financista por excelência.
A importância da credibilidade já era bem conhecida pelos brasileiros nos tempos de Dilma Rousseff. Fui um crítico ferrenho da política econômica dilmista e lembro bem da polêmica quando a revista The Economist exigiu a demissão de Guido Mantega. Segundo a Economist, o Brasil não poderia ter um ministro que fazia promessas irreais a cada semana. Dilma denunciou o imperialismo da revista britânica. Mais ou menos como os comentaristas que denunciarão meu petismo por ter escrito esse texto.
Muitas evidências indicam a falta de credibilidade do nosso ministro. Basta ler o que financistas de peso do mercado brasileiro disseram recentemente sobre o ministro. Ou acompanhar os mercados financeiros. O real, por exemplo, foi a moeda mais volátil do mundo emergente durante a maior parte de 2020 e reconquistou o posto nos últimos dias. O Brasil conseguiu a proeza de ver os juros esperados a longo prazo crescendo nos dias em que a vacinação começou. Esse é o momento em que a credibilidade do governo precisa entrar em campo. E o que Guedes faz em meio a esse contexto? Leva Bolsonaro nas reuniões com investidores para ver se no presidente o pessoal acredita. Nem o pior inimigo do ministro-palestrante seria capaz de prever um destino desses.
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