Nos Estados Unidos, União Europeia, Inglaterra ou Japão, o Banco Central opera com uma mesma lógica: a autonomia. Eu sei, eu sei, Ciro Gomes diz que esta autonomia representa apenas a submissão do país aos banqueiros. Se o leitor acredita fielmente no que Ciro diz sobre economia, tenho algumas más notícias a contar... Muitas más notícias. Já escrevi sobre ela noutros textos. Este é sobre o Brasil que, graças a políticos como Ciro Gomes e Dilma Rousseff, escolheu ser exceção global e não aprovou a autonomia até hoje.
Dar autonomia ao Banco Central não impede que ele seja controlado por representantes eleitos pelo povo. O Conselho Monetário Nacional, controlado pelo governo federal, continua determinando quais metas o banqueiro central deve perseguir. Apesar de vendida como conspiração para beneficiar grandes capitalistas, a autonomia implica que o presidente da República indica a diretoria do Banco Central para um mandato fixo (geralmente de 4 anos) durante o qual ninguém pode ser demitido sem autorização do Congresso.
Na maior parte dos países, esse mandato não coincide com o do presidente da República. Se o Brasil adotar um modelo semelhante ao americano, como vem sendo cogitado, Bolsonaro indicaria um banqueiro central que começaria no cargo em 2021, no meio do mandato. O indicado teria 4 anos no cargo, ficando até 2025, meio de mandato do presidente seguinte.
Quando Obama assumiu a presidência americana, o Federal Reserve (Fed) era comandado por Ben Bernanke, indicado por Bush em 2006. No ano de 2010, Obama reconduziu Bernanke ao mesmo cargo, mantendo o indicado pelo seu antecessor. Em 2014, Janet Yellen assumiu a presidência do Fed e se manteve no cargo durante o início do governo Trump.
É uma tradição por lá. Durante todo o mandato de Ronald Reagan, a política monetária foi comandada por Paul Volcker, indicado pelo democrata Jimmy Carter. No fim do seu governo, em 1987, Reagan nomeou Alan Greenspan para a presidência do Fed. Da mesma forma, a política monetária do democrata Bill Clinton foi comandada pelo republicano Greenspan.
Não é difícil notar que a autonomia do Banco Central não pretende entregar o Banco Central ao capitalismo internacional. O objetivo é muito mais simples: proteger a moeda contra arroubos de qualquer Ciro Gomes. A moeda nacional deve ser tratada como patrimônio do Estado, acima de qualquer governo.
Afinal, banqueiros centrais podem acelerar o crescimento econômico de curto prazo com poucas canetadas, mas para isso precisam afrouxar a corda do combate à inflação. Reduzir o desemprego antes das eleições é tentador para qualquer político, mas a irresponsabilidade custa caro a toda a população. O presidente muda, a moeda fica.
Não é muito diferente do que já fazemos em outras áreas, como o Ministério Público Federal. É o presidente quem indica, mas o presidente não pode demitir. Vale o mesmo para diversas agências reguladoras. Se a regulação de um setor é vista como importante o suficiente para que a diretoria da agência tenha mandato fixo, por que o regulador da moeda nacional não tem a mesma proteção?
Os custos do populismo são claros. A leniência com a moeda custou caro ao Brasil durante todo o século 20, gestando a hiperinflação. No governo Dilma, a gestão Tombini no Banco Central foi notoriamente submissa à presidenta, contribuindo para a pior crise da nossa história.
Agora, a autonomia do Banco Central voltou à pauta. Paulo Guedes quer aprovar o projeto esse ano. A ideia é especialmente estratégica por dois motivos. Primeiro, dará ao presidente Roberto Campos Neto a tranquilidade necessária para ousar nos cortes de juros no curto prazo, sabendo que Bolsonaro não poderá atrapalhar caso a taxa Selic precise voltar a subir. Segundo, a diminuição do risco de interferência política por si só já aumenta a credibilidade da moeda nacional, permitindo uma queda maior dos juros.
Com o orçamento apertado, a queda dos juros é a grande aposta de Guedes para que a economia volte a crescer rapidamente no curto prazo. A maioria das reformas precisa de um horizonte mais longo antes do resultado aparecer.
Antes disso, porém, Campos Neto precisa ter a tranquilidade de que não sofrerá nas mãos de Bolsonaro o que Jerome Powell sofre nas de Trump. Alvo de constantes críticas do presidente americano, Powell pode contrariá-lo sabendo que não será demitido antes de 2022.
Caso siga o mesmo caminho, como promete Guedes desde a campanha, o Brasil deve terminar a década com juros mais baixos e crescimento mais acelerado. Ainda mais importante, teremos instituições econômicas mais sólidas. É o que nos falta hoje.
Nosso regime de metas de inflação, por exemplo, é lastreado apenas por um decreto presidencial. Um próximo presidente precisa apenas de uma caneta para revogar as metas. Por sinal, essa canetada de revogação é promessa histórica de Ciro Gomes. Já passou da hora de eliminarmos esse risco.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS