Edifício-sede do Banco Central, em Brasília: projeto de lei confere autonomia e mais independência ao órgão´.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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"A autonomia do Banco Central (BC) deve ser tema de debate no Senado em 2017", publicava a agência de notícias do Senado em dezembro de 2016. O tema já completava dois anos rodeando as manchetes, acidentalmente alcançando o holofote principal em momentos esparsos. Foi o caso quando a campanha de Dilma Rousseff, durante as eleições de 2014, divulgou campanhas sensacionalistas para atacar a ideia, então defendida por Marina Silva. Segundo se dizia, a autonomia do Banco Central tiraria comida dos brasileiros e entregaria o patrimônio público para banqueiros.

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Pouca gente se interessava pelo assunto, que ganhou força naquele momento. Desde então, muito se escreveu. Não há qualquer entrega para banqueiros. A autonomia prevê que a diretoria do Banco Central indicada pelo presidente da República tenha um mandato fixo para cumprir metas estabelecidas por funcionários do presidente da República. Caso se deseje demitir um diretor do Banco Central, o Congresso Nacional deve se manifestar. Ou seja, políticos eleitos, legitimados pelas urnas, continuam comandando o Banco Central e a política monetária.

O debate público melhorou e a proposta ganhou tração. Logo após o impeachment, começaram as movimentações no Congresso. E 2016 começou com o clima que descrevo no início da coluna: lideranças do Legislativo e Executivo combinavam de aprovar o projeto em 2017. Quando estourou o caso Joesley, e ficou nítida a dificuldade de passar a reforma da Previdência, a autonomia do BC virou tábua de salvação. O governo garantia que viria ainda naquele ano, depois prometeu que seria o grande projeto de 2018.

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O ano passado seguiu na mesma toada e o assunto parecia ter esfriado. Até que o mesmo discurso surgiu pelo quarto ano seguido: o governo promete aprovar a autonomia do Banco Central ainda em 2020.

A autonomia opera como uma vacina antipopulista. Caso Bolsonaro insista no caminho da irresponsabilidade fiscal, ele precisaria do Congresso para demitir Campos Neto. E a diretoria do BC provavelmente responderia com uma alta da taxa de juros, que prejudicaria o presidente antes da eleição. O risco de um irresponsável ser eleito em 2022 também seria amenizado, com o novo mandato fixo de Campos Neto indo até o meio do próximo mandato presidencial.

Esta não é apenas uma opinião minha. O relatório do senador Telmário Mota (Pros-RR), que encaminhou o projeto a plenário, diz o seguinte: “[A] literatura econômica revela que o governo pode ser tentado a promover um maior crescimento de curto prazo, em períodos pré-eleitorais, criando pressões inflacionárias futuras, de modo a influenciar os resultados das eleições. A autonomia formal do Banco Central impede essas pressões e dá maior credibilidade à política monetária.”

O momento não poderia ser mais propício. Com a parte longa da curva de juros subindo, um choque de credibilidade cairia bem. Um dos impactos de curto prazo é permitir que o Banco Central ganhe tempo e possa prolongar a mínima histórica da taxa Selic. Nas palavras do relatório assinado por Telmário Mota, a aprovação levará a uma “redução das expectativas inflacionárias e dos prêmios de risco inflacionários de longo prazo”, o que “poderá levar a taxa básica de juros a um patamar menor e juros reais menores, melhorando o ambiente dos negócios e gerando círculo virtuoso na economia brasileira”.

Um dos grandes conflitos envolvidos no projeto era o novo mandato do Banco Central: a diretoria indicada deveria ter como objetivo apenas a estabilidade de preços? O pleno emprego é um objetivo fundamental do Banco Central? O debate foi resolvido através de emenda do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que determinou duplo mandato para o BC: deve buscar primeiramente a estabilidade de preços, mas também o pleno emprego, “sem prejuízo de seu objetivo principal”. Esse é o primeiro artigo do PL da autonomia, um jogo de palavras feito sob medida para agradar a todos.

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O segundo artigo do projeto determina que as metas de política monetária serão de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional, um órgão com três membros indicados pelo presidente. Essa é uma das ferramentas que mantém a influência do presidente na política monetária: a diretoria do Banco Central tem liberdade para cumprir suas metas,  mas quem determina quais são as metas é o governo.

O terceiro artigo estabelece que os diretores do Banco Central devem ser “brasileiros idôneos, de ilibada reputação e notória capacidade em assuntos econômico-financeiros ou comprovados conhecimentos que os qualifiquem para a função”. E a nomeação deles cabe ao presidente da República.

O quarto artigo estabelece a escala de nomeações da diretoria. Em cada ano de mandato, o presidente indica dois diretores do BC que ficarão no cargo por 4 anos – isto é, a troca de diretores do Banco Central não coincide com a troca de presidentes da República. O mesmo vale para o presidente do BC, cujo primeiro ano de mandato é o terceiro ano de mandato do presidente da República. Ou seja, Campos Neto continuaria no cargo até o fim de 2024.

O artigo quinto estabelece os critérios para exoneração dos diretores e presidente do Banco Central. Quatro motivos podem justificar a exoneração: a pedido, por questões de saúde, por condenação judicial ou desempenho insuficiente. Neste último caso, o presidente da República deve pedir a exoneração ao Senado, com uma exposição de argumentos.

Os artigos 6 a 12, de modo geral, tratam de aspectos regulatórios e de governança do Banco Central, além de reger a transição para o novo regime de autonomia.

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Não é exatamente um assunto atraente, que apela às vaidades ideológicas mais estridentes do debate. Mas é uma pauta concreta com impactos diretos na vida de todos os brasileiros. Num momento em que os mercados financeiros ficam cada vez mais ariscos, reforçar a seriedade do Banco Central brasileiro é um movimento estratégico dos mais importantes.

Cabe aos cidadãos, e a este humilde colunista, cobrar para que os nossos representantes trabalhem e sinalizem que a economia brasileira não deixará a rota da responsabilidade. É bom ver um projeto tão importante andando, mas seria um erro comemorar antes da hora. Davi Alcolumbre, Rodrigo Maia e outros líderes do Congresso precisam mostrar que as promessas da última semana são para valer – afinal, já se passaram 5 anos desde a promessa que abre essa coluna e o projeto segue sem aprovação.