A soberba tomou o governo Bolsonaro. Precede a ruína? A ver. Um bom conservador confiaria no velho ditado. Poucas combinações são tão destrutivas quanto autossuficiência demais com autocrítica de menos. Essa mistura já derrubou impérios e megaempresas. Foi ingrediente fundamental na derrocada do PT.
O bolsonarismo quer acreditar que o governo tem apoio do povo. Afinal, muita gente foi à Avenida Paulista no último domingo (30). Estaria tudo certo se uma foto da Paulista refletisse bem o apoio popular ao presidente, o que não é o caso. Pesquisas de opinião pública são melhores para esta função e a foto que elas mostram é de um presidente em queda livre.
Em janeiro, de acordo com o Ibope, 49% dos brasileiros avaliavam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom, enquanto 11% classificavam a gestão como ruim ou péssima. É como se o bolsonarismo estivesse ganhando o jogo por 5 a 1: para cada detrator do governo, existiam mais de cinco brasileiros apoiando-o.
Desde então, um terço dos apoiadores de Bolsonaro já pulou fora do barco, enquanto a oposição triplicou de tamanho. Como resultado, o jogo empatou: em junho, 32% dos entrevistados classificaram o governo como ótimo ou bom e também 32% classificaram como ruim ou péssima.
Há diferenças regionais e de classe nos movimentos de opinião pública. Surpreendentemente, o apoio a Bolsonaro cresce na região Sul e entre aqueles com renda superior a 5 salários mínimos. É provável, portanto, que a maioria dos leitores desta Gazeta do Povo note um apoio crescente ao governo dentro da sua bolha social, mas esta percepção não pode ser extrapolada para toda a população brasileira.
Frente a esses números, alguns apoiadores do governo já tem resposta pronta: ‘se essas pesquisas acertassem alguma coisa, Haddad seria presidente!’, o que não é verdade, mas é repetido pelos chefes de torcida do governo. Mas é exatamente por esse tipo de papo que eu escrevo esse texto: o bolsonarismo está em estado de negação e teorias conspiratórias sobre institutos de pesquisa servem como desculpa para ignorar o progressivo derretimento do apoio ao presidente.
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A perda de popularidade de Bolsonaro não existe só no Ibope. Praticamente todas as pesquisas de todos os institutos sérios apontam a mesma tendência de diminuição do apoio ao presidente. Para questionar os resultados do Ibope, é preciso provar a existência de uma rede organizada de institutos de pesquisa que se dedicam a fraudar números para beneficiar a esquerda. É preciso, inclusive, colocar a XP Investimentos nesta conspiração, pois as pesquisas por eles encomendadas mostram os mesmos resultados das outras.
Falta a Bolsonaro a capacidade de dialogar. Aqui, não pretendo repetir clichês sobre articulação, presidencialismo de coalizão, Rodrigo Maia, etc, embora isso tudo seja relevante para analisar a falta de diálogo que tomou o bolsonarismo. O problema é mais profundo. Bolsonaro não consegue dialogar com o brasileiro médio, aquele que jura representar.
No passado, o bolsonarismo entendeu a cabeça do brasileiro. Assim, venceu a eleição. Enquanto o PT embarcava no ‘lulalivrismo’ e o PSDB passava a mão na cabeça de Aécio, Bolsonaro e a direita foram firmes no combate à corrupção e apoio à Lava Jato, em consonância com o eleitor mediano. Vale o mesmo para o endurecimento das leis penais – desejado pelo povo, desprezado em Brasília. Alckmin foi expulso da Paulista em março de 2016, Ciro e Haddad endossaram a teologia do “golpe”, mas Bolsonaro podia se apresentar como representante da maior massa que já se reuniu nas ruas brasileiras em tempos de democracia. Nas últimas eleições, só um dos grandes candidatos convencia ao se distanciar dos impopulares governos Dilma e Temer – não por acaso, Bolsonaro, que estava alinhado à população, venceu.
O presidente chegou onde está por responder aos anseios do brasileiro comum. A julgar pelos primeiros seis meses, parece que foi sorte. Jair Bolsonaro parece incapaz de repetir a sensibilidade política que ele mesmo teve nos últimos anos.
Há erros no governo. Muitos. O MEC ainda não apresentou um plano ambicioso para a educação, mas o ministro Weintraub parece estar sempre à procura de uma polêmica que possa esconder sua falta de conteúdo. A política ambiental do governo é temerária. Os recentes decretos sobre armas, além de inconstitucionais, contrariam a opinião do brasileiro médio.
Ainda assim, o bolsonarista vê no presidente mais acertos do que ele tem, supondo que o governo tem uma agenda e está progredindo nela. Nada mais distante do que se vê em Brasília. O semestre termina sem que o governo tenha aprovado um projeto cuja tramitação não tenha sido liderada pessoalmente pelo mesmo Rodrigo Maia que é xingado nos protestos de rua. O mesmo Maia que contribui com a tramitação acelerada da reforma previdenciária.
Ninguém constrói uma hegemonia sem frequentes correções de rota e reflexões profundas sobre eventuais erros. O bolsonarismo parece incapaz de autocrítica. Eu já vi esse filme: ‘Democracia em Vertigem’, disponível na Netflix, que conta a história de um grupo político incapaz de enxergar seus próprios defeitos. A história é sobre a cegueira petista, mas o estado de negação tem semelhança direta com as últimas posturas do governo Bolsonaro.
Ao fim das contas, o bolsonarismo precisa escolher onde quer estar daqui a cinco ou dez anos. Se quiser seguir no poder, não há saída além de levar os críticos a sério, escutar o que eles têm a dizer e, na base do diálogo, trazer mais gente para o barco. Mas esta talvez não seja a prioridade. O inferno são os outros, os institutos de pesquisa estão mentindo. É possível que o bolsonarismo, com inveja da esquerda, queira mesmo é assistir um documentário de Josias Teófilo sobre a conspiração de impuros contra um presidente patriota. Neste caso, o governo e sua militância estão no caminho certo.