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Após as eleições de 2016, a imprensa elegeu dois grandes vencedores: Geraldo Alckmin, então padrinho político do recém-eleito João Doria, e os discursos de renovação política. A aposta em Alckmin deu errado. Dois anos depois, o PSDB fez sua pior eleição presidencial – até Mario Covas, que também ficou em quarto lugar em 1989, teve cerca de 2 vezes e meia a votação de Alckmin. Mas o ambiente de renovação se manteve. Assim como Doria e Kalil, muitos dos eleitos em 2016 concorriam à primeira eleição na vida e eram vistos como outsiders.
Ao comentar o mau desempenho dos seus candidatos no primeiro turno deste ano, Jair Bolsonaro lembrou o que se dizia de Alckmin em 2016. O presidente lembra das previsões que se mostraram falsas, mas esquece dos inúmeros padrões que se mantiveram. Além do ambiente de renovação, 2016 escancarou a completa falta de credibilidade do PT junto ao eleitorado. Desde então, ficou nítido que o eleitor queria votar em quem se apresentasse como antipetista.
Bolsonaro encarnava o espírito do tempo. Escrevi isso ainda em 2018, em coluna aqui na Gazeta: enquanto boa parte da imprensa dizia que Bolsonaro era favorito por causa das fake news, ressaltei que o que realmente favorecia o presidente eram as real news. O presidente chegou onde está porque alinhou-se ao eleitor mediano nas pautas mais importantes. E a mais importante, sem dúvida, era a oposição ao PT.
Mais do que fazer uma oposição discreta e blasé, tipicamente tucana, Bolsonaro chegava ao ponto de denunciar, em pleno plano de governo, uma suposta proximidade entre o petismo e o Comando Vermelho. Espertamente, Bolsonaro se aproximou do eleitor mediano noutras pautas que pareciam pouco importantes para Alckmin. No impopular governo Temer, Bolsonaro foi oposição. Sua abordagem ao tema da segurança pública era mais próxima do eleitor mediano do que qualquer outra candidatura competitiva não só em toda a Nova República.
Os fatores que levaram à eleição do atual presidente já estavam presentes ainda em 2016. Não é estranho. Apesar de refletirem primariamente fatores locais, toda eleição diz algo sobre as preferências do eleitor. E o recado das urnas em 2020 não foi nada bom nem para Bolsonaro, nem para a esquerda.
Mais do que a já comentada derrota do presidente, a eleição assistiu ao sucesso de candidatos que moderaram o tom, assumindo a posição de adultos na sala. Até mesmo Guilherme Boulos tentou vender ponderação, pois o eleitor parecia disposto a comprar. Mesmo assim, perdeu para Bruno Covas, prejudicado pelas acusações de radicalismo que surgiram ao longo da campanha.
Nas capitais, PT e PCdoB fizeram zero prefeitos, enquanto o Psol só elegeu Edmilson Rodrigues em Belém porque, além de já ter sido prefeito com boa aprovação anteriormente, seu adversário foi o bolsonarista Eguchi. Bolsonaro venceu na capital paraense em 2018 e, dois anos depois, a mesma cidade elegeu o Psol.
É evidente o desgaste do presidente nas maiores cidades do país. Em São Paulo, cidade onde Bolsonaro também venceu em 2018, todas as pesquisas de todos os institutos indicam a alta rejeição do presidente. Nas principais capitais, o nome de Bolsonaro foi tóxico. Mais do que ele, o bolsonarismo perdeu. O estilo do presidente foi rejeitado nas urnas.
Apesar de possuir um núcleo duro de apoiadores capaz de impulsioná-lo no primeiro turno, o presidente tem uma rejeição tão grande que faz dele o adversário perfeito para o PT no segundo turno. O Partido dos Trabalhadores, destroçado pela alta rejeição, só pode vencer se enfrentar um adversário ainda mais rejeitado.
Na próxima eleição, a menos que Bolsonaro mude um estilo que conserva há mais de 30 anos, ele será mais rejeitado do que era em 2018. Ao fim das contas, resta a doce ironia: depois de ter se esforçado para liderar o antipetismo em 2018, o presidente tem tudo para ser o maior aliado do PT nas eleições de 2022.