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Há poucos dias, os economistas Tiago Cavalcanti, Nicolas Ajzenman e Daniel da Mata publicaram um estudo evidenciando que as palavras de Jair Bolsonaro promovem o desrespeito ao distanciamento social no Brasil. O título, em tradução livre, é “Mais do que palavras: discurso do líder e comportamento de risco durante uma pandemia”. Os autores estudaram como os pronunciamentos do presidente brasileiro afetaram o cumprimento das medidas decretadas por governadores.
O resultado indica que o poder de Bolsonaro não está apenas na caneta, mas principalmente nas palavras. Os pronunciamentos do presidente enfraqueceram o distanciamento social – e o impacto foi sensivelmente superior nas regiões onde o presidente tem mais apoio político.
Esse resultado se soma às pesquisas de opinião que já apresentavam dados semelhantes. Em média, brasileiros que apoiam o presidente desrespeitam o distanciamento social com mais frequência.
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Tais números frios apenas esclarecem o que já era cristalino. Afinal, apoiadores do presidente se reuniram em diversas manifestações a favor do governo, gerando aglomerações desnecessárias e contrárias às medidas dos governadores. Ou seja, os resultados de Cavalcanti, Ajzenman e da Mata apenas comprovam o que já estava claro para quem observa as atitudes de Jair Bolsonaro.
Quando consideramos a curva de casos e óbitos pela Covid-19 no Brasil, a situação ganha contornos extremamente graves. Graças às medidas de distanciamento adotadas precocemente pelos governadores, o Brasil foi capaz de achatar a curva num momento inicial. Caberia ao presidente aproveitar a oportunidade para comprar testes e respiradores, expandir a capacidade do sistema de saúde, promover o uso de máscaras entre a população e, assim, planejar a reabertura da economia de modo prudente. O Brasil poderia ter dado exemplo ao mundo.
Infelizmente, foi o oposto do que ocorreu. Bolsonaro bateu cabeça com o então ministro Luiz Henrique Mandetta, levando à descoordenação das ações federais num momento inicial. Com o presidente promovendo aglomerações e incentivando o menosprezo à doença, rapidamente os brasileiros pararam de respeitar a quarentena. E o efeito desta irresponsabilidade já aparece nos números: a curva, que parecia em vias de ser achatada, mudou de direção.
Como resultado, diversas cidades importantes do país – Manaus, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, entre outras – já assistem a um colapso do sistema de saúde pública. Com o crescimento exponencial e descontrolado do número de infectados, a situação tende a se agravar ainda mais nos próximos dias.
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Caso essa tendência se confirme, o presidente da República será responsável por agravar as crises econômica e de saúde, simultaneamente. Afinal, com um pico mais íngreme da curva de infectados, a reabertura da economia fica mais distante. É improvável que um esforço neste sentido comece ainda no primeiro semestre.
O colapso do sistema de saúde ainda não domina o noticiário político, mas a situação deve mudar rapidamente. Nesta pandemia, poucos dias são suficientes para desmentir negacionistas e otimistas irracionais. De hoje até minha próxima coluna, na semana que vem, Moro deve sair das manchetes, que devem ser dominadas pelo colapso do sistema de saúde. Não se trata de um desejo, mas da mera constatação decorrente do crescimento exponencial.
Na última segunda-feira, o boletim Focus, do Banco Central, divulgou as expectativas medianas do setor privado para a economia em 2020. O crescimento do PIB projetado, -3,8%, já significaria a terceira menor variação anual desde o início do século 20. Só os tristes anos de 1981 (-4,25%) e 1990 (-4,35%) tiveram um crescimento do PIB abaixo do projetado para esse ano.
E o pior: considero provável que o setor privado esteja otimista demais. Há um descolamento entre as previsões de epidemiologistas, mais pessimistas, e economistas, mais otimistas. Neste cenário, é provável que os epidemiologistas estejam corretos. Não por acaso, algumas consultorias e empresas isoladas já apresentam projeções de -7% para a variação do PIB neste ano.
Este cenário aumenta a importância da pesquisa de Cavalcanti, Ajzenman e da Mata. Afinal, se o Brasil tiver em 2020 uma crise de saúde pública colossal combinada com o pior crescimento do PIB da nossa história, o presidente será responsável direto pelo desastre. Portanto, ele merece a culpa e o custo político decorrente das tragédias que promoveu.
Pouco a pouco, Bolsonaro demonstra ser incapaz de combinar o controle da pandemia com a reabertura rápida da economia. Ao invés disso, o presidente acelerou o contágio e contribui para um cenário no qual o comércio seguirá fechado por muito tempo. Conforme a Covid-19 avança, fica claro quem realmente torceu pelo vírus durante esse tempo todo.