“Eu vi sua reação à frase do presidente Bolsonaro”, disse o chileno Sebastian Piñera ao colega Emmanuel Macron, em clima de camaradagem. “Foi incrível”, completa. Em seguida, o francês responde: “Eu tinha que reagir, você entende?”. O presidente chileno, em seguida, confirma que sim.
“Eu queria ser pacífico, correto e construtivo com o cara, respeitar a soberania dele, mas não posso aceitar isso”, emenda o presidente francês. Angela Merkel, chanceler alemã, está logo ao lado concordando com tudo.
A conversa foi gravada na 45ª reunião de cúpula do G7, entre os dias 24 e 26 de agosto, mas divulgada apenas nesta segunda-feira (9) por um canal de televisão francês. O G7 reúne sete países, boa parte dos mais poderosos do mundo – EUA, França, Itália, Japão, Reino Unido, Alemanha e Canadá. Em resumo, são os países que melhor entendem e mais praticam os tais “valores ocidentais” defendidos por conservadores.
Sebastian Piñera estava presente nas discussões como convidado, apesar de o Chile não integrar o grupo. O diálogo recém-divulgado entre os chefes de Estado chileno, alemão e francês termina com uma crítica direta – e, infelizmente, justa – de Macron a Bolsonaro: “Você sabe o que ele fez quando meu ministro das relações exteriores foi ao Brasil? Ele [Bolsonaro] deveria recebê-lo, cancelou no último minuto para cortar o cabelo e ainda filmou a si mesmo. Desculpe, mas esse não é um comportamento de presidente”.
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Por se tratar de um diálogo de bastidor, divulgado posteriormente, agora entendemos melhor o contexto internacional que levou o presidente chileno a atacar o aliado brasileiro na semana passada.
Em resposta a Michelle Bachelet, nosso presidente celebrou a morte do pai da ex-presidente de uma nação amiga. Só aí, já há motivo suficiente para o repúdio de Piñera. Como se não bastasse, Bolsonaro elogiou o ditador Augusto Pinochet por matar 40 mil compatriotas chilenos.
Proporcionalmente à população, é como se um ditador
brasileiro matasse quase meio milhão de pessoas. A carnificina de Pinochet
certamente não é bem vista no Chile. Bolsonaro, que pouco aprendeu com o
fracasso das ditaduras militares latino-americanas, está sozinho na defesa do indefensável.
Sem a reunião do G7, é provável que a reação de Piñera fosse mais leve. Nos
últimos meses, Chile e Brasil ensaiaram uma aproximação estratégica. Bolsonaro
costuma citar Piñera e Macri como aliados, em contraste com outros presidentes
sulamericanos ligados ao PT. Com a possível volta do kirchnerismo ao governo
argentino, a importância estratégica do chileno só aumentou, mas o esforço de
Bolsonaro para se tornar um pária internacional diminui o custo de hostilidades
contra o Brasil.
Macron, Merkel e Piñera não integram partidos à esquerda. Os socialistas franceses, alemães e chilenos estão na oposição. Durante a reunião do G7, ninguém saiu em defesa do Brasil. Não valia a pena. Boris Johnson, um direitista incorrigível, endossou as críticas. Enquanto isso, Trump se derretia em elogios ao presidente francês. “O almoço com Emmanuel foi a melhor reunião que tive”, tuitou o presidente americano, antes de ressaltar que “o encontro com líderes mundiais foi muito bom”.
Na reunião, o G7 discutiu a possível inclusão da Rússia como integrante oficial do clube. A economia russa, por sinal, também não está muito bem. O Brasil, por outro lado, não teve voz no encontro com líderes mundiais. Aparecemos apenas como mau exemplo, sem ninguém para apresentar uma imagem mais positiva do país.
Frente a uma fritura internacional sem precedente recente na
história brasileira, Bolsonaro ainda aproveitou os dias seguintes para queimar
nosso filme com o Chile. É importante notar que os comentários sobre Bachelet
não vieram numa resposta impensada, mas em publicações espontâneas nas redes
sociais.
Ontem, por sinal, também foi dia de grande evento no mundo diplomático. Em
reunião da ONU, Michelle Bachelet apresentou um relatório completo sobre as
violações de direitos humanos na Venezuela. Apesar de integrar um partido de
esquerda, Bachelet tomou a iniciativa e está liderando as denúncias contra o
regime de Maduro.
Após detalhar 57 casos de tortura ocorridos apenas em julho, Bachelet foi elogiada pelo secretário-geral da ONU, que aproveitou para criticar Bolsonaro. Ninguém tem medo do presidente do Brasil, uma das grandes nações do planeta. Enquanto a gente se apequena diariamente, o Chile – membro da OCDE – segue ganhando voz no debate internacional.
Nos últimos 30 dias de fritura global, o que ganhamos como país? Absolutamente nada. Mesmo assim, Bolsonaro justifica a própria postura. Argumenta que, apesar do mau comportamento, tem bons princípios. Caso uma elevação no desmatamento cause sanções internacionais ao Brasil, duvido que essa desculpa cole quando o agronegócio exigir explicações.
Os efeitos do comportamento presidencial já aparecem. No último mês, a rejeição de Bolsonaro disparou entre os mais ricos e escolarizados. Não por acaso, é o grupo mais sensível aos fracassos da política externa.
Se Bolsonaro fosse um carioca aposentado, dedicado à vida privada, ninguém se importaria com seu mau comportamento. Mas ele é presidente do Brasil e deveria entender sua função caso pretenda continuar nela, principalmente caso a anunciada crise internacional realmente apareça. A aprovação do presidente segue caindo, sua base parlamentar é fraca, a economia ainda patina e está cada vez mais difícil colocar a culpa no PT.
O bom comportamento do presidente é um bem público, beneficiando todos os brasileiros. Chefes de Estado boquirrotos e agressivos aumentam a insegurança para o empreendedor e dificultam a tão necessária integração do Brasil ao mundo. A crise na imagem internacional do Brasil reforça que um presidente precisa, sim, de bons modos.
Todo general talentoso sabe a importância de recuar quando necessário. Todo conservador consciente sabe a importância da prudência na política. Bolsonaro, dia após dia, mostra que não é nenhuma das duas coisas.