Paulo Guedes recebeu a bola pingando, de cara pro gol: o Centro de Cidadania Fiscal, liderado por Bernard Appy, formulou uma reforma tributária ao longo de 10 anos, em amplo diálogo com a sociedade civil. O resultado é a PEC 45, texto elogiado de Marcos Lisboa a Marcelo Freixo.
Ao invés de aperfeiçoar o que estava pronto, Guedes emendou uma sequência de ideias terríveis: defende a CPMF, elogiou a guerra fiscal do ICMS e, se amanhã ou depois ele propuser que a legislação tributária mude todo dia num sorteio apresentado por Celso Portiolli, eu não vou me surpreender, dada a ruindade do que o ministro da Economia tem proposto sobre o assunto.
Jair Bolsonaro, aparentemente, está com ciúmes. O presidente também quer ideias estúpidas para chamar de suas. Só isso explica os equívocos monumentais no debate sobre renda básica. Nesta área, ao contrário do que ocorre na reforma tributária, Paulo Guedes foi bem.
O Ministério da Economia queria analisar todas as políticas sociais vigentes e redirecionar dinheiro das menos eficientes para uma nova versão do Bolsa Família, o programa de combate à pobreza mais eficiente da história do Brasil. Também se falou no financiamento do programa com privatizações e tributação dos estratos mais ricos da população. No debate da renda básica, foi Bolsonaro quem recebeu a bola pingando após uma bela jogada de Paulo Guedes – e isolou, imitando o lance do ministro no debate tributário.
Foram dois equívocos enormes: o primeiro, abordado duas colunas atrás, foi se recusar a acabar com o abono salarial, programa reconhecidamente ineficiente. A proposta diminuiria a vinculação entre gasto público e salário mínimo, um problema fundamental na explicação sobre como o Brasil quebrou e por que o nosso Estado gasta tão mal.
O segundo e mais recente equívoco foi a proposta de financiamento do Renda Cidadã através da limitação do gasto anual com precatórios – dívidas do Estado reconhecidas em processos judiciais. Ou seja, Bolsonaro propôs dar calote em calotes passados para financiar novos gastos. O Brasil nunca foi um país sério e o presidente, que se diz conservador, quer manter a tradição.
Nas últimas semanas, os mercados têm reagido a esse "Lollapalooza" de más ideias que caracteriza as mais recentes propostas econômicas do governo. A curva de juros “empinou” – se o leitor ouviu esse jargão por aí, mas não entendeu do que se trata, fique calmo e leia esta coluna que escrevi para você. A taxa de câmbio segue o mesmo movimento. Em 2020, o real é uma das moedas que mais se desvalorizou frente ao dólar. Todos enfrentam a pandemia, mas o Brasil luta também contra fontes internas de incerteza.
Muito desta instabilidade se deve ao fato de o governo ter abandonado o discurso fiscalista e cogitar a proeza de piorar um sistema tributário que já parecia tão ruim quanto possível. Bolsonaro parece crer que a reforma da Previdência foi suficiente para colocar as contas públicas no trilho. Não é verdade. A reforma previdenciária apenas ganhou tempo de batalha numa guerra que tem sido travada em toda a história brasileira: o combate entre a responsabilidade e os vendedores de sonhos que viram voos de galinha. Vale lembrar que a reforma não cortou gastos previdenciários, apenas diminuiu a taxa de crescimento deles a médio e longo prazo.
Bolsonaro experimentou a droga do gasto público que tenta comprar popularidade. Muitos políticos já se viciaram nisso. O perigo é que, como ocorre noutras drogas, o prazer é passageiro e os danos causados pela dependência são muito difíceis de serem revertidos. Não há garantia na compra: é possível, e até provável, que os custos da irresponsabilidade apareçam ainda antes das eleições de 2022. Mesmo observando apenas o cálculo do poder, nada seria tão desastroso para o presidente quanto uma nova crise econômica.
Se o governo quiser deixar um legado positivo para o país, e mesmo se apenas quiser ganhar poder, a melhor alternativa na mesa é também a correta: apresentar um plano crível de ajuste fiscal, ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência do gasto público. Uma das únicas vantagens da bagunça brasileira é que o Estado pode melhorar sem aumentar. Há muito mato alto que pode ser cortado, como diz uma gíria do mercado financeiro.
O caminho correto, porém, não é o mais fácil. Aumentar a eficiência do Estado desagrada aqueles que lucram com a ineficiência – no Brasil, não são poucos. Fazer o certo exige clareza de propósito e disposição para travar batalhas necessárias. Bolsonaro, por sua vez, não parece disposto a decepcionar servidores públicos da ativa e beneficiários de programas sociais mal desenhados, como o abono salarial.
Entre umas e outras ideias mirabolantes, o real derrete, o presidente critica a falta de patriotismo da Faria Lima e o Brasil se desvia do caminho da prosperidade que lhe foi prometido em 2018.
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