O PSDB tem um domínio histórico nas eleições para o governo de São Paulo, tendo vencido as sete últimas consecutivamente, mas na capital a história é outra. Muitos analistas, especialmente os mais distantes, esquecem esse detalhe. Os tucanos só venceram duas eleições paulistanas, em 2004 e 2016. Em tempo total de governo, não chegam a 6 anos, pois Serra entregou o cargo um ano e três meses depois da posse. Doria fez a mesma coisa, mas deixou o cargo para um colega de partido, e só por isso o PSDB conseguirá completar um mandato comandando a prefeitura de São Paulo.
Na Nova República, o PSDB teve 5 anos e 3 meses governando a maior cidade da América. O PT teve 12 anos. Venceu três eleições, marca que o PSDB pode alcançar em 2020. Não é estranho para quem conhece a história do partido. O PT foi fundado no Colégio Sion, em Higienópolis, pertinho da Avenida Paulista. Historicamente, a região metropolitana de São Paulo sempre foi a região mais petista do Sudeste.
Nos últimos anos, o PT começou a perder força. Vale lembrar que, ainda em junho de 2013, quando Fernando Haddad nem sequer tinha seis meses de mandato, uma onda de protestos estoura precisamente na cidade. A popularidade do prefeito desabou da noite para o dia, e nunca se recuperou. Em 2016, o PT perdeu a capital e o “cinturão vermelho” – as cidades ao redor, como as do ABC, famosas pelo histórico domínio petista. Entre 2010 e 2018, o PT também perdeu quase metade dos deputados federais e mais de metade dos estaduais em São Paulo.
Boulos não inaugura a esquerda como uma força relevante na cidade de São Paulo, apenas reestabelece uma constante histórica. O desempenho de 2016, com Haddad, é que foi o ponto fora da curva. Uma novidade não-desprezível, porém, é o fim da hegemonia petista como força principal da esquerda paulistana. Mesmo que Boulos perca a eleição de 2020, ele já ganhou. Essa vitória política talvez seja tão relevante quanto a vitória eleitoral, pois pode durar muito mais de 4 anos. Ainda não é definitivo – o Datafolha indica que o PT segue disparado na liderança como partido predileto dos paulistanos –, mas é um feito notável.
Um ponto particularmente interessante é que Boulos alcançou esse feito com uma base demográfica distinta da que garantiu a hegemonia petista. O último Datafolha indica que o candidato do PSOL tem sucesso absoluta entre servidores, com 74% dos votos válidos neste grupo (veja metodologia). Eleitores de 16 a 34 anos que moram nas regiões centrais também parecem preferir Boulos, assim como o eleitorado com diploma de nível superior. O PT, por sua vez, contava com o voto das periferias.
Outro motivo que explica por que Boulos já venceu é a mudança no modo como ele vende a sua imagem. O Boulos de 2018 era mal-humorado, repetia chavões de DCE e passou vergonha na urna. Talvez por não ter muita chances, ele decidiu marcar posição como auxiliar do PT. Em 2020, a situação mudou. O candidato do PSOL está sorridente, leve e até engraçado. Numa disputa contra Bruno Covas, discípulo da escola Alckmin de carisma, a postura risonha do novo Boulos é muito importante.
Essa nova imagem não significa que o PSOL moderou suas práticas e discursos. Há stalinistas confessos, que propõem a prisão com trabalhos forçados para defensores de reformas pró-mercado, no palanque de Boulos. Vale lembrar que o próprio candidato, antes do MTST, atuava na União da Juventude Comunista, ligada ao PCB. A posição do PSOL sobre Cuba e Venezuela não mudou. E a agenda do partido continua próxima ao que Dornbusch descrevia como “populismo econômico latino-americano”.
Por que, então, Boulos consegue vender-se como o ponderado na sala? A explicação tem várias partes, mas a mais relevante delas está em Brasília. Bolsonaro ajudou a normalizar aquilo que, poucos anos atrás, era visto como extremo. Apesar de se vender como terror da esquerda radical, o presidente atua na prática como incentivador dela. Curiosamente, os fundamentalistas de esquerda se dizem necessários para combater os de direita, e vice-versa, mas a história nos mostra que ambos se retroalimentam.
Imagino que o leitor tenha se escandalizado com o título do artigo. Apesar de possuir uma boa diversidade no quadro de colunistas, com liberais e conservadores que se digladiam com frequência, a seção de opinião da Gazeta não tem PSOListas. E eu não serei o primeiro. Como eleitor de São Paulo, votarei em Bruno Covas sem dor na consciência, mas sem orgulho. Meu voto é, principalmente, veto. Não quero que Boulos vença.
No ambiente polarizado da política brasileira, quem não gosta de um partido costuma apenas gritar impropérios, mas ignorar os méritos de um adversário é a melhor forma de garantir a vitória dele. Recentemente, dizia-se por aí que “the left can’t meme”, a esquerda não faz meme, e hoje o PSOL está aí, com uma das melhores campanhas de rede social já feitas no país.
Se você não gosta de Guilherme Boulos, é ainda mais importante entender por que ele já venceu politicamente, antes de vencer eleitoralmente. E, especialmente, entender o que possibilitou a vitória política, pois só assim será possível impedir que se transforme em vitória eleitoral.
Metodologia da pesquisa citada
- A pesquisas Datafolha, encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com a TV Globo, ouviu eleitores com 16 anos ou mais nos dias 17 e 18 de novembro (1.254 eleitores) e 23 de novembro (1.260 eleitores). Números de registro no TRE-SP: SP-03437/2020 e SP-09865/2020. A margem de erro máxima é de três pontos percentuais para mais ou para menos e o índice de confiança é de 95%.
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