Nas condições atuais, quanto a economia brasileira pode crescer anualmente? Eis a pergunta que está quebrando a cabeça de Paulo Guedes.
As decisões de política econômica nos próximos anos dependem dela. Responder essa questão não é fácil. Mas a resposta virá em breve. Tudo indica que, já em 2020, conheceremos melhor o potencial de crescimento do PIB brasileiro.
Quando o leitor estiver em dúvida sobre como responder uma pergunta difícil sobre uma ciência social, geralmente vale a pena pensar no casal predileto dos economistas: oferta e demanda.
Com cortes sucessivos na taxa Selic, o Banco Central está incentivando o crescimento através da demanda. Conforme a dívida pública paga juros menores, aumenta-se o incentivo para que os brasileiros parem de emprestar sua poupança ao governo. Pouco a pouco, a tendência é que parte relevante deste dinheiro vá para investimentos de outros tipos – a alta da Bolsa já é um primeiro sinal neste sentido – e também para o consumo das famílias.
A política econômica de curto prazo costuma ter impacto restrito à demanda. Vale para a queda dos juros, mas o raciocínio seria o mesmo caso o governo tentasse estimular o PIB através de aumentos nos gastos públicos. O problema é que o impacto de estímulos à demanda é limitado pela capacidade de oferta da economia. E estimular a oferta é muito mais difícil.
Limitações da oferta
Nossa capacidade de oferta é determinada por fatores de longo prazo. Para entender do que se trata, vale a pena pensar em três elementos: capital humano, capital físico e produtividade.
O capital humano somos nós, brasileiros em idade ativa. A quantidade de trabalhadores de um país é limitada por sua população. Isso explica por que o Brasil conseguia crescer 5% ou 6% ao ano em décadas passadas sem grande dificuldade, mas hoje sofre para chegar a 3%. Em 1950, a quantidade de trabalhadores crescia muito mais rápido que nos tempos atuais.
Outra forma de estimular a oferta através do capital humano é educar a população, mas o impacto de reformas educacionais no PIB demora décadas para aparecer.
Outra limitação da oferta é o capital físico. O estoque de máquinas e plantas industriais é escasso. Para aumentar o capital à disposição dos empreendedores, são necessários investimentos de longo prazo, que também demoram a gerar retorno.
Por fim, há a produtividade. Economias mais produtivas permitem que empreendedores gerem mais valor econômico usando menos capital físico e humano. Aí está o segredo para a riqueza das nações. A elevação da produtividade passa por reformas institucionais. Uma reforma tributária, por exemplo, permitiria que as empresas contratassem mais funcionários para suas atividades-fim, com menos advogados e contadores para navegar na burocracia dos impostos e cartórios.
Novamente, o impacto desse tipo de reforma demora alguns anos para aparecer. Se fosse fácil reformar a economia para incentivar a produtividade, nenhum país seria subdesenvolvido.
Quando a inflação (des)aparece
A demanda determina o quanto conseguimos crescer no curto prazo. Mas o longo prazo é determinado pela oferta. Na microeconomia, quando a demanda por pães excede a oferta, o preço do pão aumenta. Vale o mesmo para a macroeconomia: quando a demanda excede a oferta, a inflação aparece.
Hoje, esse não é um problema do Brasil. Tudo indica que, entre 2017 e 2019, nossa demanda foi menor do que a oferta. Afinal, no front do capital humano, todos sabem que temos milhões de desempregados que não encontram interessados em contrata-los. No front do capital físico, sobram prédios vazios e fábricas ociosas.
Quando a oferta excede a demanda, os preços tendem a cair. Foi por isso que a inflação ficou abaixo da meta por três anos consecutivos. Quando isso ocorre, a recomendação clássica para a política econômica é estimular a demanda. Com as contas públicas em frangalhos, esse papel hoje cabe ao Banco Central, o que explica a queda da Selic em 2019.
Esses estímulos à demanda devem garantir um crescimento melhor em 2020. Mas quanto podemos crescer no longo prazo? Afinal, como a inflação vai responder a uma economia que provavelmente crescerá mais de 2% neste ano? Esta é a pergunta que segue aberta e certamente complica o sono de Paulo Guedes. Os economistas têm muitos palpites e estão ansiosos por 2020.
As expectativas de crescimento do PIB nesse ano, ainda abaixo de 3%, não são tão exuberantes assim. É por isso que o Banco Central projeta uma inflação controlada ao longo dos próximos meses, apesar dos juros baixos estimulando a demanda. Afinal, o alto desemprego indica que o lado da oferta ainda está muito machucado.
Dois cenários possíveis
Se houver uma disparada da inflação mesmo com crescimento do PIB modesto, teremos uma forte evidência de problemas gravíssimos no lado da oferta. Não seria novidade, dado que a economia brasileira cresceu consideravelmente menos do que o mundo nos últimos 40 anos. Qualquer descontrole da inflação causado por fatores econômicos internos ligará sinais de alerta dos mais assustadores sobre nossa capacidade de crescimento em longo prazo.
Neste cenário macabro, a Selic rapidamente terá que subir novamente para conter a alta de preços. Isso significará que a economia brasileira será incapaz de manter uma boa taxa de crescimento em 2021 e 2022, causando sérios problemas para Bolsonaro e Guedes. A culpa não será necessariamente deles, mas ninguém vai se importar com isso na hora de apontar o dedo para os dois.
No melhor cenário, por outro lado, a inflação ficará ao redor da meta. Como já escrevi, é isso que o Banco Central espera. A consequência seria a manutenção dos juros reais relativamente baixos e dos estímulos à demanda por alguns anos adicionais. Caso tudo corra bem, voltaríamos ao pleno emprego numa trajetória gradual e suave ao longo de alguns anos.
A diferenciação entre estímulos à oferta e à demanda é crucial também para entendermos o que realmente importa. Os juros baixos não são suficientes para estimular a economia em longo prazo. E, mesmo que o melhor cenário ocorra em 2020, não será um cenário dos sonhos.
Para que o Brasil se aproxime dos países desenvolvidos em poucas décadas, como fez a Coreia do Sul, é preciso crescer muito mais do que meros 2,5% ao ano. Sem reformas que afetem a capacidade de oferta do Brasil, elevando a escolaridade dos brasileiros e a produtividade das empresas nacionais, continuaremos limitados a voos de galinha econômicos.