Paul Milgrom e Robert Wilson venceram o Prêmio Nobel de Economia em 2020. O desenvolvimento da moderna teoria dos leilões foi o motivo do prêmio. Muita gente torceu o nariz – incorretamente, na minha opinião. No dia do anúncio, as redes se dividiram num debate intenso. Alguns economistas criticaram aquilo que lhes pareceu uma celebração da irrelevância. Outros defenderam ardentemente a escolha, reconhecendo a importância da pesquisa de Milgrom e Wilson.
Eu me alinho com o segundo grupo. A teoria dos leilões é extremamente importante. Quando percebo economistas famosos considerando isso um assunto pequeno, minha primeira reação é elogiar ainda mais a escolha do Nobel. Afinal, leilões são centrais na economia do setor público – só uma tremenda ignorância explica o desprezo pelo tema. Se há quem tenha esta absurda opinião, o Nobel faz bem ao relembrar a centralidade dos leilões no debate público.
Alguns dos críticos, aparentemente, queriam o prêmio destinado a algum tema relacionado à saúde. Outros acreditam que as mudanças climáticas mereciam esta honra. Este raciocínio ignora que a teoria dos leilões tem grande utilidade na formulação de políticas voltadas à saúde pública e ao meio ambiente. O SUS compra insumos através de leilões. O trabalho de Milgrom e Wilson tem aplicações em leilões de crédito de carbono, energia e outros de grande relevância para a política ambiental.
Mesmo desconsiderando a aplicabilidade dos leilões nos campos de saúde e meio ambiente, desde quando o Nobel premia quem melhor contribui para a compreensão do noticiário? O prêmio de 2020 não precisa ter a ver com os fatos ocorridos em 2020. O Nobel premia aqueles trabalhos capazes de ultrapassar o teste do tempo e avançar o conhecimento da humanidade sobre um assunto, gerando valor para a sociedade.
Leilões não envolvem apenas obras de arte e antiguidades. Boa parte das compras governamentais ocorrem através de leilões – as licitações, por exemplo. Os títulos públicos negociados pelo Banco Central e a rede de esgoto em algumas cidades alagoanas são alguns dos muitos leilões que regem a atuação do governo em diversas áreas.
Vejamos, por exemplo, a crítica formulada por Branko Milanovic, um respeitado economista bielorrusso. Cito Branko por se tratar de um pesquisador sério e uma das grandes vozes da esquerda no debate econômico. Curiosamente, sua crítica ao Nobel de 2020 veio acompanhada de uma confissão: Branko disse que desconhecia o trabalho de Milgrom e Wilson – e, mesmo assim, opinou sobre o assunto.
O argumento formulado por Branko, de modo geral, foi o seguinte: economistas têm a obrigação de contribuir para o progresso humano e, por isso, o prêmio deveria ser entregue a quem formula Leis Gerais do Capitalismo, ou para quem teoriza sobre fenômenos como o crescimento recente da China ou a Revolução Industrial.
Vejo uma grande contradição nas palavras de Branko: se o prêmio deveria ser dado aos economistas que contribuíram para o bem-estar humano, então o premiado certamente não deveria ser um economista dedicado a polêmicas históricas ou à formulação de Leis Gerais do Capitalismo.
A teoria dos leilões tem aplicações práticas bem conhecidas pelos economistas. O ganho de eficiência gerado pelas teorias Milgrom, Wilson e co-autores é palpável e indiscutível. O mesmo não pode ser dito sobre os formuladores de Leis Gerais do Capitalismo, cujo trabalho está mais sujeito a erros e não tem tantas aplicações práticas imediatas. Reconheço a importância desse tipo de trabalho – Douglass North, por exemplo, produzia análises generalistas sobre instituições e mereceu o prêmio Nobel de 1993 –, mas sei que a grande virtude desta linha de pesquisa não está na contribuição imediata para o bem-estar humano.
Ao fim das contas, o prêmio dado a Milgrom e Wilson incomoda principalmente por reconhecer a importância de ideias que servem mais como ferramenta do que como ideologia. Concretamente, a moderna teoria dos leilões pode avançar a agenda de liberais favoráveis a privatizações contra a tese de esquerdistas defensores de um Estado proativo. O prêmio serve como lembrança de que a economia nem sempre se submete à ideologia. Nesses tempos de tribalismo político, a praticidade é ofensiva.
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