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Reunião do Copom que define a Selic: taxa básica de juros não pode ser analisada como um número isolado.
Reunião do Copom que define a Selic: taxa básica de juros não pode ser analisada como um número isolado.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os juros diminuíram no Brasil desde o início da pandemia? A resposta é um sonoro “sim” para quem acompanha apenas a taxa Selic, determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, aquela que aparece nas manchetes. Por outro lado, a resposta mais correta seria a predileta dos economistas: depende. Isto porque a taxa de juros não pode ser analisada como um número isolado. É preciso observar também um dado muito relevante para economistas, mas pouco compreendido pela maioria dos brasileiros: a curva de juros.

A Selic, estrela das manchetes, é a taxa anualizada dos juros associados a títulos públicos no curtíssimo prazo – ou um dia, para ser mais preciso. Se você comprar um título de dívida do governo brasileiro com vencimento para daqui a alguns meses, é provável que os juros associados a este título fiquem próximos à Selic. Se o título tem vencimento mais longo, a taxa de juros esperada será um pouco maior.

Imagine, caro leitor, um gráfico com a taxa de juros no eixo vertical e o prazo dos títulos no eixo horizontal, com pontos representando os juros associados a cada período. A linha que liga esses pontos é a famosa curva de juros, tão comentada pelos analistas de jornal. Os juros de curto prazo, mais à esquerda no gráfico e próximos à Selic, são os juros curtos. Na extrema-direita da figura, representando títulos cujo vencimento se dará daqui a 10 anos, estão os juros longos.

Os juros curtos, de modo geral, dependem da conjuntura de inflação no país. Atualmente, o alto desemprego, agravado pela pandemia, diminuiu a pressão inflacionária. Com a inflação esperada abaixo da meta, o Banco Central diminui a Selic. Mas, como já dito, a taxa que o BC controla não é a única taxa de juros em vigor na economia. Ainda mais importante é a taxa esperada no longo prazo. Afinal, quando um poupador decide se é melhor investir em atividades produtivas ou emprestar dinheiro ao governo, ele leva em conta principalmente os juros longos. Estes são determinados pelo mercado, sem tanta interferência da Selic, e são guiados pelas expectativas sobre a política fiscal de longo prazo – ou seja, pelo risco associado a emprestar dinheiro ao governo.

Faço a digressão porque o tema é muito importante para quem deseja analisar a conjuntura econômica nacional. Desde o início da pandemia, os juros curtos caíram junto com a Selic. Os juros longos, por outro lado, subiram. Apesar da trégua no front inflacionário, as expectativas sobre a política fiscal de longo prazo pioraram, elevando o risco de empréstimos ao governo.

Imaginemos, por exemplo, o que aconteceria se o governo decidisse relaxar o teto de gastos e outras regras fiscais. Por um lado, os novos gastos representariam um estímulo à economia. Por outro, a mudança elevaria ainda mais os juros longos, desestimulando a economia. Esta dinâmica econômica explica, ao menos parcialmente, o fracasso dos estímulos fiscais tentados no primeiro governo Dilma. No debate recente, é impossível tomar posição sobre o futuro do teto de gastos sem refletir sobre os juros longos.

Os opositores do teto de gastos precisam considerar este problema. Querem relaxar a regra fiscal? Se o debate econômico brasileiro fosse mais sério, quem defende isso seria obrigado a apresentar também um plano para os juros longos. Uma série de reformas hoje desprezadas pelo Congresso, como a autonomia do Banco Central, poderiam afetar os juros de longo prazo, facilitando eventuais mudanças. Infelizmente, muitos opositores do teto – exceção feita a alguns poucos economistas, como Bráulio Borges – mal tocam no assunto.

Essa dinâmica também explica uma das grandes virtudes do teto de gastos: seu desenho fornece um seguro contra a irresponsabilidade fiscal que vale até para quem decidir mudar as regras do jogo. Uma substituição do teto representaria também um choque nas expectativas sobre a política fiscal de longo prazo, o que impacta os juros longos. Esse choque obriga os economistas anti-teto a apresentarem uma alternativa crível. Caso contrário, a tentativa de estimular a economia pode ir por água abaixo, com grande impacto imediato em variáveis como a taxa de câmbio.

Apesar de ver grandes virtudes no teto de gastos, também vejo alguns defeitos. É difícil cumprir a regra e os gatilhos de descumprimento são acionados apenas depois que o teto é rompido. Deste modo, o governo será obrigado a apresentar um orçamento irrealista no futuro próximo, pois não é possível enviar uma proposta orçamentária descumprindo a regra fiscal.

Portanto, não tenho uma posição dogmática sobre o assunto. Por entender a imensa importância que o teto teve no equilíbrio macroeconômico dos últimos anos, só posso discutir mudanças no teto quando tiver uma proposta concreta. Mais do que mudar ou não, é importante saber como mudar e o que fazer para conter os problemas discutidos nesta coluna.

Novos gastos em infraestrutura e transferência de renda seriam indiscutivelmente importantes, desde que não sacrifiquemos os juros de médio e longo prazo para resolver problemas de curto prazo. Inclusive porque, na história econômica do Brasil, tem sido comum vender o jantar a preço de banana para pagar o almoço. Quando a conta dos desequilíbrios macroeconômicos chegam, ajustes draconianos se tornam necessários e os mais pobres inevitavelmente pagam a conta do desemprego.

Portanto, os opositores do teto precisam apresentar planos sérios ao invés de gritar slogans – caso contrário, terão que se acostumar com uma regra fiscal crucial, apesar de imperfeita.

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