Há poucos dias, o IBGE divulgou o PIB brasileiro em 2020, com queda de 4,1% no ano. Muita gente destacou a notícia como ruim. Discordo por dois motivos: as expectativas eram muito piores e as principais economias latino-americanas registraram recessões ainda mais profundas.
O gráfico abaixo mostra como evoluíram as expectativas para o crescimento do PIB brasileiro em 2020. Eles foram retirados do Focus, relatório do Banco Central coleta as previsões de economistas do setor privado para os principais indicadores econômicos do Brasil. A queda de 4,1% foi grande, mas menor do que se esperava.
Em relação ao resto do mundo, e especialmente ao resto da América Latina, a recessão brasileira em 2020 não parece tão ruim. Como ainda não temos dados consolidados para todos os países, uma boa ferramenta são as últimas estimativas do FMI, divulgadas em janeiro de 2021. Elas aparecem no próximo gráfico.
No gráfico acima, é importante reparar que os outros dois países latino-americanos aparecem muito piores que o Brasil: o PIB mexicano deve cair mais de 8% no ano, enquanto a queda do PIB argentino deve superar os 10%. Boa parte dos nossos vizinhos estão na mesma situação. Outro ponto importante, que reforça o argumento anterior, é que o resultado do PIB brasileiro veio um pouco melhor do que a queda de 4,5% estimada pelo FMI em janeiro.
Apesar do péssimo trabalho no controle da pandemia, evidenciado pelo fato de estarmos trancados em casa e sem vacina neste momento, a política econômica foi fundamental para evitar uma queda maior. No campo da política fiscal, o Brasil gastou muito mais do que nossos principais vizinhos latino-americanos, e o auxílio emergencial foi eficaz em estimular a economia. Já na política monetária, a taxa Selic mergulhou para 2%. Cabe perguntar se esses estímulos seriam possíveis sem o teto de gastos ancorando as expectativas dos anos seguintes.
Talvez o leitor esteja se perguntando: se a coluna até agora destacou que a queda do PIB em 2020 não é tão ruim quanto parece, por que o título é tão pessimista? O motivo é simples: 2020 também marca o fim de uma década.
A série de dados do IBGE sobre o crescimento do PIB brasileiro começa em 1901, primeiro ano do século 20. Muitos analistas destacaram que a década de 2010 foi a pior da história em termos de crescimento do PIB – ao menos quando consideramos a história registrada pelo IBGE. De fato, esse desastre fica evidente no gráfico abaixo.
Como resultado, a expressão “década perdida” foi ressuscitada. Comumente usada em referência aos anos 1980, agora os anos 2010 são tidos como perdidos. Discordo do uso da expressão. Na prática, chamar a década passada de “perdida” subestima consideravelmente a profundidade dos problemas brasileiros.
O gráfico abaixo mostra o crescimento médio do PIB brasileiro em dez anos. É fácil notar que, em 2020, a linha azul chega em seu ponto mais baixo. Ou seja, o período de 2011 a 2020 não foi apenas a pior década de todas. Foi, também, o pior decênio, os dez anos com menor crescimento econômico.
É como se a economia brasileira tivesse crescido 0,27% ao ano por dez anos seguidos. Ou 2,7% no total, ao longo dos dez anos. Para entender a gravidade da situação, é importante lembrar que, de acordo com as estimativas do IBGE, a população brasileira cresceu, em média, pouco menos de 1% ao ano. No período completo, a população cresceu cerca de 10,1%.
Ou seja, o PIB por pessoa (também conhecido como PIB per capita) caiu quase 7% no período. O país empobreceu entre 2011 e 2020. Década perdida é pouco. O que assistimos foi muito mais que isso: trata-se de uma década de atraso.
A expressão “década perdida” passa a ideia de oportunidade desperdiçada, de um período no qual o Brasil deixou de avançar na direção desejada. Sendo uma economia emergente, a direção desejada, e até mesmo esperada, seria a convergência em relação aos países ricos. O Chile, por exemplo, caminha nessa direção. O Brasil, não. E não é de hoje.
De 1980 para cá, o Brasil cresceu menos do que as economias avançadas. É o que mostra o gráfico abaixo, que começa em 1991 por conta dos dados disponibilizados pelo Banco Mundial.
Em 1991, um trabalhador brasileiro produzia em média o equivalente a 32,9% do produto de um trabalhador americano. Em 2019, esta porcentagem caiu para 25,7%. Na comparação com os chilenos, o produto médio do trabalhador brasileiro caiu de 96% para 60,5%. Considerando os trabalhadores de países membros da OCDE, a queda foi de 40,8% para 34,5%.
Somos uma economia emergente que não emerge. Especialistas em desenvolvimento chamam esse problema de “armadilha da renda média”. Estamos presos nessa armadilha. Dada a gravidade da situação, considero que o mais adequado seria chamar todo o período de 1980 a 2020 de décadas perdidas.
Essa situação não pode ser normalizada. É absurdo que o Brasil tenha uma queda de PIB per capita entre 2011 e 2020. A divergência em relação aos países ricos é igualmente absurda. A situação chega ao inominável quando lembramos que as dinâmicas demográficas eram extremamente positivas nesse período, com muitos trabalhadores em idade ativa e poucos idosos.
Reverter esse quadro deveria ser a prioridade nacional a longo prazo. Ao invés de debatermos as estratégias possíveis para pararmos de perder tempo, estamos discutindo a possibilidade de um ex-presidente corrupto assumir o poder. Enquanto isso, o presidente atual trata máscaras e vacinas como oportunidades para aprofundar a polarização política no meio de uma pandemia.
Infelizmente, estamos nos esforçando muito para que os anos 2020 sigam o padrão das décadas anteriores. Nelson Rodrigues estava certo: subdesenvolvimento não se improvisa. Nosso espaço no fundo do poço foi conquistado com muito esforço.
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