A privatização da Eletrobras está longe de ser um consenso no Congresso. Para que seja aprovada, o governo precisa empreender um grande esforço político. Caso tudo dê certo, o Tesouro Nacional espera arrecadar R$ 25 bilhões. É muito dinheiro, mas vira apenas um trocado quando lembramos das quantias envolvidas quando falamos do orçamento público brasileiro.
No auge, o auxílio emergencial chegou a custar mais de R$ 60 bilhões por mês. O governo federal fechou 2020 com déficit de R$ 743 bilhões e gastos pouco abaixo dos R$ 2 trilhões. A dívida bruta do setor público já supera R$ 5 trilhões. Lembram da reforma da previdência que prometia economizar mais de R$ 1 trilhão em 10 anos? Pois é. Caso a Eletrobras seja privatizada, os R$ 25 bilhões resultantes seriam irrelevantes para resolver o problema das contas públicas brasileiras. Problemas estruturais exigem soluções estruturais.
Não basta defender a privatização. É importante entender por que a venda de uma estatal pode ser útil para o público. Em muitos casos, a capacidade de investimento do setor público não é suficiente para atender à sociedade. O setor de saneamento é um bom exemplo. O investimento das estatais estaduais claramente não é suficiente para financiar a universalização do acesso a água e esgoto.
Noutros casos, a redução de custos para o consumidor é um objetivo. A própria privatização da Eletrobras inclui dispositivos nesse sentido. O caso das antigas linhas de telefonia também é um clássico. Houve um tempo em que, para comprar um telefone, era preciso aguardar na longa fila de uma empresa estatal.
Privatizar pode ser uma boa ideia quando o intuito é melhorar o funcionamento de um setor. Eu até diria que costuma ser uma boa ideia, especialmente quando falamos do Brasil. Infelizmente, o tema costuma aparecer como parte do debate fiscal. Inclusive está ocorrendo neste exato momento.
Muita gente em Brasília, no governo e no Congresso, discute a privatização da Eletrobras como um contrapeso na negociação do auxílio emergencial. Talvez faça sentido como negociação política, mas a mera existência desse argumento já indica um debate desvirtuado. Não é incomum no Brasil.
No fim de 2019, o governo anunciou com pompa e circunstância o leilão de quatro campos do pré-sal. O Tesouro Nacional esperava arrecadar no mínimo R$ 106 bilhões com as vendas. Dois campos ficaram sem ofertas e os dois restantes foram vendidos em oferta única, dada pela Petrobras. Das catorze empresas autorizadas, apenas uma participou, justamente a estatal. Em meio ao clima de frustração, sobraram críticas ao desenho do leilão, que teria espantado a concorrência ao focar apenas no valor arrecadado pelo Tesouro Nacional.
O fetiche pela arrecadação é um clássico inimigo das privatizações. No mínimo, é um sintoma de que privatizamos pelos motivos errados, geralmente por uma combinação entre pressa e corda no pescoço. Governo quebrado privatizando é como o Vasco vendendo jogador: todo mundo sabe que não é preciso oferecer muito para atender a um vendedor desesperado.
Privatizar claramente não é a prioridade no momento. É preciso ter foco na vacina e na extensão do auxílio emergencial. Caso seja necessário compensar o novo gasto com alguma economia, que sejam aprovadas medidas com impacto fiscal mais relevante, como a PEC emergencial também proposta pelo governo.
E sim, caro leitor, sou simpático à privatização da Eletrobras – que, por sinal, patrocinava o recém-citado Vasco até poucos anos atrás. O setor de energia é fundamental para o futuro da economia brasileira. Além disso, trata-se de um setor estratégico, e uma melhoria nele impacta praticamente toda a economia. Mas é importante entender por que faz sentido privatizar a empresa. Não é para arrecadar e sinalizar novas trajetórias das contas públicas, nem para bancar o novo auxílio emergencial.
O debate deve ser focado em regulação, investimento e melhoria dos serviços. E alguns técnicos do governo até falam nisso, mas o discurso precisa chegar nos representantes políticos. Além de economicamente mais sensata, esta abordagem também facilita o convencimento da população. Afinal, o que cativa mais o eleitor: aumentar a arrecadação do governo ou pagar menos por um fornecimento de energia melhor?
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