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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Feitos e defeitos do finado teto de gastos

Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): governo e Parlamento não veem problema em mudar a regra do teto de gastos para atender a interesses políticos. (Foto: Marcos Correa/PR)

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O teto de gastos nasceu em 15 de junho de 2016, cerca de um mês após Dilma Rousseff sair do cargo e dois meses antes da conclusão do impeachment. Na época, ainda não era uma regra constitucional, apenas um projeto, mas o momento de apresentação é relevante por conta de uma peculiaridade da espécie. Uma regra fiscal busca alterar as expectativas de mercado – logo, o impacto começa antes de o projeto ser aprovado. Além disso, para entender por que o teto de gastos é do jeito que é, precisamos lembrar o contexto em que ele foi formulado.

O teto não era filho único. Em 2016, o Brasil já tinha outras regras fiscais. A mais importante delas era a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A regra anterior era mais complexa, ampla e flexível do que o teto, além de envolver diversos entes federativos além do governo federal. O problema é que a regra foi desmoralizada no governo Dilma.

Nos meses finais de 2011, o governo federal apresentava superávit primário superior a 3% do PIB. Já no fim de 2016, o cenário era de déficit superior a 3% do PIB. Do meio de 2014 ao meio de 2016, a dívida pública bruta saiu de 52% do PIB para 67%. Rapidamente, o Brasil se tornou um dos países emergentes mais endividados e não dava sinais de que mudaria tão cedo. Na atividade econômica, o fundo do poço, segundo o IBC-BR (índice mensal de atividade Econômica, do Banco Central), foi em julho de 2016 – este foi o contexto em que a proposta do teto surgiu.

O governo estava de mãos atadas desde o fim da gestão Dilma. Com contas públicas e preços simultaneamente fora de controle, como reaquecer a combalida economia brasileira? Estímulos fiscais (aumentar gastos ou cortar impostos) fariam a dívida pública crescer ainda mais. Estímulos monetários (redução de juros) dificultariam o controle da inflação.

A resposta encontrada foi criar uma nova regra fiscal, o tal do teto. Se os agentes de mercado acreditassem que o Brasil resolveria o problema das contas públicas, a taxa de juros poderia cair, o mesmo ocorreria com o dólar e seria mais fácil controlar a inflação. O desafio era criar uma regra crível, até porque a crise começou justamente com o enfraquecimento das regras antigas.

O teto é bastante simples porque prioriza um ganho de credibilidade: há um limite para o crescimento das despesas – uma variável inteiramente controlada pelo governo, diferente da receita. Esta é uma diferença em relação à regra anterior, da LRF, que previa uma meta de resultado primário (receitas menos despesas).

Em tese, o limite no crescimento dos gastos forçaria os agentes políticos a rediscutirem as prioridades do orçamento público. Reformas reduziriam despesas futuras, controlando a trajetória da dívida. Caso os detentores de títulos públicos acreditassem nessa promessa, eles aceitariam juros menores. Assim, seria possível retomar o crescimento econômico sem gastar mais.

Neste controle de expectativas, ao menos no curto prazo, o teto foi bem. Foi possível reduzir a taxa de juros e a recessão, enfim, terminou. Esse processo começou lentamente, sofreu turbulências do “Joesley Day” em 2017 e das eleições presidenciais em 2018, mas ganhou força quando a reforma da Previdência finalmente saiu em 2019.

Quando a pandemia chegou, o Brasil tinha uma situação fiscal muito melhor do que qualquer um imaginava em 2016. Os juros eram baixos e a inflação estava controlada. Esses avanços permitiram o auxílio emergencial e a Selic chegou a 2% ao ano. Arrumamos a casa e isto tem sido muito útil quando um novo momento exigiu gastos maiores. Apesar do sucesso neste front, alguns problemas ficaram gritantes.

A reforma da Previdência demorou mais do que o esperado, dificultando o cumprimento do teto. Outro problema é que, apesar de os defensores da regra indicarem que a alocação de recursos seria mais eficiente, grupos privilegiados continuaram garantindo o seu quinhão.

O teto disciplinou o total de gastos, mas não a composição. As prioridades do Orçamento claramente não foram guiadas pelo interesse público. O Judiciário ganhou aumento e militares receberam diversas benesses. Já o beneficiário do Bolsa Família ficou sem reajuste. A ciência foi progressivamente perdendo verbas. Investimentos públicos seguiram a mesma toada.

Em setembro de 2019, logo após a reforma da Previdência, Guilherme Tinoco e Fábio Giambiagi propuseram uma nova regra. O texto foi muito discutido entre economistas, até porque os dois autores costumam aparecer no lado “fiscalista” do debate e reconheciam os méritos do teto. Giambiagi, em particular, é decano na causa da responsabilidade fiscal.

O texto de Giambiagi e Tinoco não propunha o fim do teto, mas sua substituição. A diferença está, principalmente, no fato de a nova proposta incluir regras de transição, além de outros mecanismos que trariam credibilidade adicional, compensando a mudança noutros sentidos. O objetivo da proposta era priorizar investimentos em detrimento de outros gastos e permitir que o teto fosse cumprido a longo prazo. Guedes ignorou.

Chegamos a 2021 e gastos sociais outrora desprezados são demandados por razões justas. Sobram brasileiros carentes neste pós-pandemia e alguns preços sobem em ritmo assustador. Neste contexto, o governo Bolsonaro optou pela gambiarra: excluir precatórios do teto de gastos, além de criar uma licença para gastos maiores em 2022, ano eleitoral.

É importante diferenciar as propostas de Giambiagi/Tinoco e a do governo. O problema não está numa mudança do teto de gastos – a ideia seria razoável, se fosse esta. O problema é que a proposta do governo não busca ganhos de credibilidade e só faz sentido numa lógica eleitoreira. Não há transição, mecanismos de transparência ou coisa do tipo. Só há licença para gastar mais e o texto vem sendo liderado pelo grupo de deputados ligados a Arthur Lira (PP-AL), que não são conhecidos por pensar no país quando tomam decisões.

Assim morreu o teto de gastos. Se a regra antiga pretendia aumentar a credibilidade das contas públicas, a nova regra mostra que poucos se importam com a credibilidade fiscal. Além disso, indica que governo e Parlamento não veem problema em mudar a regra para atender a interesses políticos. Como diziam na época em que o teto de gastos foi aprovado: que Deus tenha misericórdia desta nação.

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