Um dos prazeres que tenho na Gazeta é notar a sazonalidade semanal da caixa de comentários. Numa semana, critico o governo e alguns leitores têm convicção de que sou petista. Noutras colunas, dezenas reclamam do meu suposto bolsonarismo – imagino que será o caso desta. Afinal, na semana passada, Paulo Guedes acertou um dos maiores golaços do seu primeiro ano de gestão. E aqui, tento sempre seguir um princípio claro: elogio quando o governo acerta, critico quando erra. Soa estranho em tempos nos quais as opiniões são demarcadas ex-ante, decididas com base na adesão ideológica aos protagonistas da notícia.
Qual o golaço de Guedes? Focar os esforços do BNDES em projetos de saneamento básico. Segundo o ministro da Economia, este deve ser o norte do nosso banco de desenvolvimento. Acredite se quiser: alguns colegas não gostaram. Conseguiram ver defeito em obras para provisão de água potável e tratamento de esgoto.
João Romero, da UFMG, foi um dos críticos. Segundo Romero, economista respeitado em círculos desenvolvimentistas, o novo foco do BNDES teria pouco a ver com o desenvolvimento econômico que dá nome ao banco. Discordo veementemente do diagnóstico.
Os desenvolvimentistas gostam de dizer que possuem divergências conceituais com relação a ortodoxos. Acho que este caso serve como exemplo singular de que essas muitas diferenças conceituais existem mesmo. Na visão de Romero, uma verdadeira política de desenvolvimento passa por mudanças na estrutura produtiva do Brasil. Isto é, ele quer que o BNDES foque em certos segmentos da indústria, em detrimento de outros setores.
Eis um exemplo perfeito da inversão de valores que permeia o desenvolvimentismo brasileiro: desenvolvimento, para eles, é enfiar indústria em todo canto, mesmo que os trabalhadores bebam água com cocô. Me lembrei de Celso Furtado, que escreveu um livro sobre a formação econômica do Brasil sem mencionar a educação.
Muitos dos que são descritos por economistas heterodoxos como malvadões anti-pobre acreditam que o conceito desenvolvimento econômico deve ter foco nas pessoas. A tese de que educação também é desenvolvimento tem mais adeptos na PUC Rio do que na Unicamp. Por sinal, concordo com ela: desenvolvimento tem mais a ver com capital humano do que com indústria. Logo, observo a mudança no BNDES com uma perspectiva conceitual diametralmente oposta à de João Romero.
Subsidiar indústria não é, necessariamente, desenvolvimento. Por outro lado, subsidiar obras que aumentem o número de brasileiros com acesso à água potável e esgoto tratado é injeção de desenvolvimento na veia. As milhões de crianças permanentemente prejudicadas por infecções durante a formação cerebral são o maior sintoma de subdesenvolvimento vigente no Brasil.
Na teoria, a existência do BNDES é justificada pelo fato de bancos privados, legitimamente interessados no próprio lucro, considerarem apenas o potencial de retorno privado de um investimento. Afinal, é o que interessa para saber se o tomador de crédito terá dinheiro para pagar tudo de volta. Projetos com baixo potencial de lucro e imenso benefício para a sociedade tendem a pagar altos juros em bancos privados. O BNDES existe para garantir que financiamentos desse tipo saiam do papel.
Sim, eu sei, há um imenso abismo entre a teoria e a prática. No Brasil, o BNDES costuma financiar campeões nacionais como Joesley Batista, com inúmeros projetos de retorno social duvidoso. E é justamente por isso que o redirecionamento do banco é uma grande notícia. Não consigo pensar em benefício mais evidente para a sociedade do que garantir que as crianças bebam água limpa.
Não sou contra subsídios à indústria. Tanto que, neste texto, defendo incentivos a um setor da indústria química. Não acredito, por outro lado, que o caráter industrial de uma atividade econômica seja suficiente para a defesa de seu subsídio pelo governo. Desenvolvimento é sobre pessoas. Antes de pensar em reinventar a roda através do BNDES, vale a pena garantir o básico. Sabem como é: quando um brasileiro não convive com esgoto a céu aberto, a probabilidade dele fundar uma Samsung por aqui aumenta exponencialmente.
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