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É impossível encontrar um político brasileiro contra a reforma tributária. Todos os candidatos à Presidência prometiam encaminhar o assunto caso eleitos. Todos os parlamentares não só concordam com a necessidade de reforma, mas a citam como um dos projetos mais urgentes. Portanto, o que importa é discutir qual será a reforma aprovada.
Ou melhor: o que importa é discutir o primeiro passo a ser dado na longa reforma do manicômio tributário brasileiro. Afinal, é impossível resolver o problema com apenas uma peça legislativa.
Hoje, existem duas propostas na mesa: a (do ex-presidente) da Câmara e a do governo.
O texto apelidado pela imprensa como “da Câmara” é a PEC 45/2019, formulada pelo economista Bernard Appy e apadrinhada por Rodrigo Maia. Aprimorada por anos de discussão na sociedade civil, é o texto mais elogiado entre acadêmicos e empresários.
A estratégia da PEC 45/2019 consiste em substituir toda a tributação atual do consumo/produção por um novo imposto. O Imposto sobre Bens e Serviços, ou IBS, teria regras extremamente simples, alíquota única para todos os produtos e unificaria tributos municipais (ISS), estaduais (ICMS) e federais (PIS, Cofins e IPI).
A proposta do governo, apresentada após a PEC 45, é mais superficial que a da Câmara. Em vez de unificar 5 impostos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) para criar o IBS, a proposta do governo unificaria 2 impostos (PIS e Cofins) para criar a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços.
Outra diferença é que a alíquota do CBS seria de 12% na proposta do governo – o que, segundo a maioria dos especialistas, representaria um aumento da carga tributária. Já o IBS, que consta na proposta da Câmara teria a alíquota necessária manter a carga tributária inalterada – o novo imposto seria calibrado por alguns anos, exatamente para garantir este ponto. Ou seja, não haveria aumento de impostos, na média.
As propostas tributárias do governo não foram levadas a séria na Câmara por algum tempo. De fato, era difícil levar a sério a proposta de tributação das transações financeiras, primeira ideia que Guedes levou adiante. Porém, o recente festival de emendas parlamentares já está lubrificando o sistema. Nos últimos dias, em articulação com o governo, os presidentes Arthur Lira e Rodrigo Pacheco sinalizaram uma guinada em direção à proposta de Guedes.
O debate deve se dar nos próximos dias. Apesar de próximos ao governo, Lira e Pacheco presidem Casas legislativas com opiniões múltiplas. É possível, portanto, reverter o erro. Porém, a força do governo em votações recentes indica que, caso não haja uma grande mobilização em defesa da PEC 45, a reforma de Guedes tende a prevalecer.
Será desastroso ver a confirmação deste cenário. A importância da reforma tributária reside nos ganhos de produtividade associados a ela. Unificar PIS e Cofins é pouco, especialmente porque as distorções mais graves estão nas regras do ICMS, tributo estadual que continuará vigente caso o texto de Guedes seja escolhido.
Só uma reforma ampla da tributação de bens e serviços seria capaz de enterrar de vez o atual sistema. O puxadinho defendido pelo governo representa a manutenção do status quo.
Há meses, venho comentando as inexplicáveis posições de Paulo Guedes neste debate. Sem dúvidas, há algum componente de ciúmes, especialmente pela associação da PEC 45 com Rodrigo Maia. Acho difícil, porém, restringir a explicação ao ciúme.
Ao propor a substituição de PIS e Cofins por um novo imposto com alíquota de 12%, Guedes sinaliza que pretende usar a reforma tributária para arrecadar mais, e não para racionalizar a economia e facilitar a vida do empreendedor.
Se o ministro quiser aumentar a arrecadação para resolver o problema fiscal, tudo bem. Basta afirmar isso claramente e iniciar o debate parlamentar. Porém, o resultado é certo. O contribuinte, que também é eleitor, há anos rejeita aumentos da carga tributária. Desde 2007, quando Lula não conseguiu prorrogar a CPMF, as tentativas de aumentar impostos foram sistematicamente derrotadas.
Mesmo que o contribuinte-eleitor tenha mudado de opinião, a já sobrecarregada tributação do consumo não deveria ser fonte de novos aumentos da carga.
Todos os argumentos econômicos, porém, são irrelevantes perto do escárnio representado pela ideia. Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, desde o primeiro momento, defenderam a redução do Estado e da carga tributária. Fazer o oposto na surdina seria o mesmo que tratar os apoiadores do governo como gado. Nas próximas semanas, descobriremos se é assim que Guedes enxerga a militância bolsonarista.