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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Retrospectiva

2019 foi um grande ano para o liberalismo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro: avanços do liberalismo no Brasil neste ano que finda são evidentes.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro: avanços do liberalismo no Brasil neste ano que finda são evidentes. (Foto: Isac Nobrega / PR)

Há uma disputa em curso no debate público brasileiro: todos querem ser liberais. Até Fernando Haddad chegou ao ponto de dizer que suas ideias, inclusive a “regulação” das mídias com a qual o PT sonha, teriam bases no liberalismo clássico. Bolsonaro, por sua vez, colocou egressos da Universidade de Chicago para liderar o Ministério da Economia, presidir a Petrobras e o Banco do Brasil.

Todos juram que são liberais. Fenômeno distinto ocorre na esquerda – o PCdoB, por exemplo, tenta esconder o “comunismo” que batiza o partido. Nem sempre foi assim, caro leitor. Ali pelos idos de 2011, eu comecei a participar do nascente movimento liberal brasileiro. Éramos meia dúzia de jovens sem dinheiro e apoiadores. Algumas das organizações criadas naquele período hoje possuem orçamento milionário. Eu mesmo criei um site que inesperadamente alcançou milhões de brasileiros, e hoje tenho a honra de escrever para um grande jornal como a Gazeta do Povo. Enquanto isso, participantes do debate público disputam a tapa para saber quais são os verdadeiros liberais. Vencemos. Por sinal, os liberais vencem muito, ainda que nem sempre recebam o mérito por isso.

O principal motivo para a falta de reconhecimento é que os liberais são bons de ideias, mas nem sempre vencem os embates políticos. Com frequência, nossas ideias são aplicadas por políticos que querem distância do liberalismo. Foi assim no Brasil de FHC, Palocci e Bolsonaro, assim como na Nova Zelândia de Roger Douglas e no Chile de Pinochet.

Fato é que, apesar dos partidos liberais puro-sangue nem sempre terem força, o liberalismo tem progredido muito bem a longo prazo. Em 1850, as primeiras grandes economias de mercado se estabeleciam com uma solidez inimaginável em 1800. Em 1900, a escravidão atlântica havia chegado ao fim, libertando milhões de seres humanos. Dali até 1950, até parecia que o liberalismo iria perder sua força após a ascensão de seus grandes inimigos – nazismo e comunismo.

Mas a segunda metade do século 20 começou com a consolidação da globalização e do comércio internacional, permitindo ganhos expressivos nas economias capitalistas. Entre 1950 e 2000, o resultado desse processo ficou claro: o mundo capitalista se fortaleceu e ficou ainda mais democrático, enquanto o mundo comunista ruiu, sendo obrigado a pelo menos fingir algum apreço por democracia e mercados.

Onde estamos hoje? Há quem fale em crise do liberalismo, citando Bolsonaro como um risco às liberdades no Brasil. Vale ressaltar que, em geral, boa parte da turma começou a se preocupar com o assunto há poucos anos, e até então dizia que a democracia liberal era apenas democracia burguesa. Não vejo motivo para desespero. Quem já venceu Hitler e Stalin não tem motivos para se preocupar com políticos frágeis e de alta reprovação.

Pelo contrário, há uma primavera liberal em curso no Brasil. Para notá-la, não basta olhar para partidos liberais puro-sangue como o Novo – que, apesar do sucesso recente, possui menos deputados federais do que o nanico Psol. A primavera liberal fica nítida quando olhamos os antiliberais, conservadores ou socialistas. Em 2019, eles fracassaram quando atentaram contra a liberdade, mas tiveram sucesso ao defender certos princípios da sociedade aberta.

Bolsonaro é o exemplo típico. Sua política econômica é indiscutivelmente liberal e pró-mercado. Paulo Guedes não deixa dúvidas. Neste campo, 2019 foi um sucesso para o governo. Os juros desabaram com a inflação controlada, as concessões de infraestrutura vão de vento em popa e 2020 nos traz perspectivas de um ano melhor.

Por outro lado, Bolsonaro fracassou na sua tentativa de flexibilizar o excludente de ilicitude, dando maior liberdade para abusos da força policial. As instituições brasileiras tiveram sucesso em moderar diversas políticas do presidente, com destaque para o papel ocupado por Rodrigo Maia nesse processo.

Bolsonaro começou seu governo discutindo a possibilidade de acabar com as reservas legais que garantem a preservação do meio ambiente em terras agrícolas. Fracassou e teve que mudar de opinião. O desmatamento cresceu, é verdade, mas acordos internacionais assinados pelo Estado brasileiro obrigaram Bolsonaro a rever partes do seu discurso. Caso o desmatamento siga crescendo, não será possível assinar acordos comerciais com a União Europeia, por exemplo. Como os liberais sempre disseram, a cooperação internacional incentiva os países cooperantes a seguirem um bom caminho.

Por outro lado, há os liberais por conveniência. As facções brizolista e bolivariana hoje dominam a esquerda nacional. Não são liberais de forma alguma – nem na economia, nem na política, como fica nítido no apoio destes grupos à ditadura venezuelana. A boa notícia é que esse pessoal tomou de 7 a 1 na reforma da Previdência e suas políticas econômicas recebem cada vez menos crédito da população.

A grande vitória dos brizolistas e bolivarianos em 2019 foi a libertação de Lula. Discordo da decisão do STF sobre prisão em segunda instância, dado o seu caráter perpetuador da impunidade. Mas, vestindo a carapuça de Poliana, é justo apontar um lado bom nesta história: ninguém pode dizer que o Brasil tem um regime político autoritário, como aparecia em discursos lunáticos da esquerda. Afinal, se há autoritarismo antipetista, por que o STF teve completa autonomia para soltar Lula? Em 2019, ficou claro para todos que o Brasil é regido pela separação de poderes. Montesquieu comemora no túmulo.

Melhor ainda é notar o que aconteceu após a soltura de Lula. Petistas e parapetistas, bajuladores incuráveis daquele que a Odebrecht chamava de Amigo, acreditavam que Lula comandaria uma revolta das massas contra Paulo Guedes. Nada disso ocorreu. Até Bolsonaro ficou surpreso: o presidente deixou de enviar as reformas administrativa e tributária por medo de o Brasil virar o Chile. Não virou. Presidente, acho que é hora de enviar logo as reformas engavetadas. O Brasil precisa delas.

Este ano começou com intelectuais prevendo a ascensão de um projeto de poder autoritário, liderado por Bolsonaro. O presidente termina o ano sem partido, sem acesso ao fundão eleitoral e com grande dificuldade para eleger amigos nas eleições municipais de 2020.

Repare, caro leitor: não adianta cair no chavão de que eu só me importo com a economia, enquanto o liberalismo seria mais que isso. Mal escrevi sobre economia neste texto. 2019 foi, principalmente, o ano do liberalismo político no Brasil. Foi o ano da separação de poderes, com Judiciário e Legislativo contrariando o presidente, enquanto a oposição de esquerda teve voz em debates como os da reforma previdenciária e pacote anticrime. Inclusive, foi o ano no qual a esquerda populista teve que deixar Lenin de lado e fingir que suas ideias são as de Thomas Jefferson.

Mas houve vitórias na economia também. E elas não são pequenas, nem são um assunto diferente. Economia não é tudo, mas é bastante coisa. Sem a reforma da Previdência, a democracia brasileira estaria mais frágil – basta observar a história da América Latina para perceber a coincidência entre golpes de Estado e crises fiscais.

Chávez, Erdogan e Orbán utilizaram o aparato tributário e regulatório do Estado para constranger entes privados a seguirem seus desejos. As reformas discutidas em Brasília pretendem tirar esses poderes discricionários da mão do presidente. Ao contrário do discurso das bolhas de esquerda, acredito que 2019 foi um ano de grande vitória do liberalismo. Nem sempre por intenção do governo, nem dos seus opositores.

Como já ocorreu em diversos momentos da história, o liberalismo venceu, mas a vitória não passou apenas pelas mãos dos liberais. Se continuarmos insistindo no caminho das reformas pró-mercado, mantendo a democracia, podemos chegar ainda mais longe. A sociedade aberta tem caminhos tortuosos, que nem sempre agradam no curto prazo, mas certamente é melhor do que qualquer alternativa antiliberal.

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