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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Jogo político

Minimanual do democrata sem pano

democrata sem pano
O best-seller "Como as Democracias Morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. (Foto: Reprodução/Twitter)

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Este é um minimanual porque o manual já foi escrito: “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. É um grande livro. Foi bastante citado, mas parece ter sido pouco e mal lido.

Muito se discutiu sobre o modo como os autores aplicaram suas teorias para concluir que Trump e Bolsonaro são autoritários. Quase nada foi escrito sobre as teorias em si, muito mais valiosas.

A lição central de “Como as Democracias Morrem” é simples. Em bom português de 2021, Levitsky e Ziblatt defendem que um bom democrata não pode passar pano.

O democrata sem pano se diferencia por saber que nem tudo vale a pena para prejudicar o adversário e avançar sua agenda. Não importa a ideologia dele, se é liberal, conservador ou socialista. O que importa é não ter políticos ou partidos de estimação: quem joga sujo para defender a bandeira do bem coloca a democracia em risco, tanto quanto quem joga sujo para defender a ideologia adversária.

Há raríssimos democratas sem pano no Brasil de 2021. Pelo contrário, quem defende e pratica esse modelo de comportamento é severamente criticado. Existe um lado certo e lado um errado. O resto é “falsa simetria”, “falsa equivalência”, “doisladismo” ou outros pecados dos “isentões”.

O nono e último capítulo de “Como as Democracias Morrem” discute como salvar uma democracia que está se aproximando do colapso. Infelizmente, o capítulo é útil porque todos nós concordamos que é o caso do Brasil.

Esta é uma das raras unanimidades da política: todos concordamos que grupos autoritários ameaçam a democracia brasileira; no máximo, debatemos quem são os autoritários.

Levitsky e Ziblatt ressaltam que partir para o vale-tudo contra um inimigo autoritário é, paradoxalmente, fazer o jogo dele. Para subverter as regras formais e informais que sustentam a democracia, um autoritário precisa de um ambiente onde essa subversão é aceita.

Para vencer uma força autoritária, seria preciso unir uma ampla coalizão baseada, dentre outras coisas, numa prática política coerente com a democracia. Além de aceitar as regras formais do jogo, essa nova prática envolve também a aceitação das regras informais, não escritas. Quem quer combater autoritários precisa fazer o oposto do que eles fazem.

Os autores são convincentes ao mostrar que uma democracia funcional precisa de virtudes como autocontenção e tolerância. Autocontenção é a capacidade de controlar a si mesmo para evitar o jogo sujo. Não importa a razão que justifica uma causa, igualmente importante é o método utilizado na defesa dela.

A tolerância tem um significado mais conhecido, mas é importante entender o que ela significa nesse contexto. Um adversário ruim não é ilegítimo por natureza. É preciso aceitar a divergência como válida. Se o adversário em questão não pratica a tolerância, ele deve ser derrotado dentro das regras do jogo. Porém, o mesmo deve valer para um amigo intolerante.

Levitsky e Ziblatt acreditam que a democracia depende fundamentalmente de agentes que cumpram regras informais como autocontenção e tolerância, mas que também policiem seus colegas neste processo. Em resumo, a passada de pano é fatal.

O assunto ganhou especial relevância nas últimas semanas. Quando generais da ativa se meteram em assuntos civis e Lula apoiou a ditadura cubana, pouquíssimas pessoas foram capazes de condenar as duas atitudes simultaneamente.

Muitas defenderam o lado predileto e atacaram os adversários. Outros fizeram o mesmo com pose de democratas: parafraseando a famosa frase, foram tchuchucas com os amigos e tigrões com os inimigos. Como se passar pano para uma postura autoritária fosse defender a democracia, pois os autoritários são os outros.

Além dos autoritários espalhados por todos os lados, o Brasil está repleto de democratas com pano. As tribos se tornaram mais importantes que os princípios. Levitsky e Ziblatt são explícitos em certo ponto: não basta uma vencer as forças autoritárias nas urnas.

As democracias começam a morrer quando um grupo decide que tudo vale a pena para derrotar o outro. O sucesso dos assassinos depende da conduta de seus opositores. Quando todos aceitam o vale tudo, a morte da democracia vira questão de tempo.

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