“Nosso DNA coincide em 99,5% com o Bolsonaro”, disse Romeu Zema pouco depois de assumir o governo de Minas, referindo-se à proximidade entre o partido Novo e o presidente da República. Desde então, João Amoêdo tem se esforçado para mostrar exatamente o contrário, ressaltando a todo momento as suas diferenças com o bolsonarismo.
Não é novidade, para quem acompanha o partido Novo, o conflito entre bolsonaristas e amoêdistas, que tem dado o tom do partido desde as eleições de 2018. O embate tem sido mais discreto do que o imaginado porque não afetou nenhum mandatário eleito do partido. As principais vítimas, até o momento, foram Ricardo Salles e Filipe Sabará.
Ambos caíram atirando, com o mesmo discurso: Salles disse que Amoêdo era a “centro-esquerda disfarçada de liberal”, enquanto Filipe Sabará usou expressões como “new left”. Até o momento, Zema tem se mantido razoavelmente distante, mas são fortes os rumores sobre a insatisfação da bancada federal, principalmente de lideranças como Marcel van Hattem.
Ainda nas eleições de 2018, já era possível notar sinais de dissonância. No segundo turno, o partido se recusou a apoiar Bolsonaro institucionalmente – a nota oficial pregou uma postura de neutralidade, mas continha críticas apenas ao PT. Fora do papel timbrado sem assinaturas nominais, diversos políticos ligados ao Novo fizeram campanha pelo atual presidente, inclusive encontrando-se com ele pouco após a eleição.
Pesquisas recentes do Atlas Político chegaram a apontar o Novo como terceira legenda de preferência do eleitorado brasileiro, atrás apenas do PT e PSL (provavelmente identificado como bolsonarismo). Logo em seguida, vinham Psol e PDT. Destas cinco forças políticas, o Novo é a única que se identifica aberta e primariamente com o liberalismo. É, também, a menor dentre elas.
O que o partido precisa fazer para crescer e superar o Psol, por exemplo? Muita coisa. Mas o primeiro passo, definitivamente, é decidir o que se quer ser. Ao invés de ter nojo dos debates políticos e ideológicos, o partido precisa ter firmeza ao decidir quais posições ele representa neste debate. Mais do que se posicionar em relação a Bolsonaro, o partido precisa se posicionar em relação à sociedade.
Os casos de Salles e Sabará não mostram apenas a falta de coesão política do Novo, mas também as falhas no processo seletivo do partido, outrora motivo de orgulho. Salles foi aprovado no processo e, no primeiro mês de campanha, já tomava advertência pelo tom agressivo do seu material. Um ano depois, foi expulso do partido por divergência de valores.
O episódio envolvendo Sabará é ainda mais grave. Na disputa eleitoral mais importante de 2020, a chapa aprovada pelo processo seletivo foi suspensa nos primeiros dias de campanha, com direito a controvérsia envolvendo o currículo do candidato a prefeito. A situação piora com a reportagem da revista Crusoé que aponta um possível conflito de interesses: a esposa do presidente do diretório municipal trabalhava com Sabará na prefeitura de São Paulo.
O Novo está sem rumo nas eleições de 2020. Faltam candidatos majoritários e os poucos nomes aprovados pelo processo seletivo não atraem o eleitor. Vinícius Poit e Daniel José, jovens deputados que já receberam muitos votos na capital paulista, não puderam se candidatar. Uma regra do partido impede que um mandatário concorra a outro cargo. A impressão é que não existe uma estratégia nacional coerente – ao contrário do que ocorre com DEM e PDT, por exemplo.
Eis o desafio de Amoêdo para garantir que o partido não encolha em 2022. É preciso unificar o discurso, tendo clareza do que se pretende, além de identificar quais pontos da inovadora governança partidária merecem reforma. Em suma, o Novo precisa perder certos nojinhos. Não há nada de novo em rejeitar a política e evitar conversas sobre ideologia.
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