“Há uma flagrante tentativa de isolar a ala anti-establishment do Governo Bolsonaro”, tuitou Filipe Martins, assessor do presidente Bolsonaro, 3 dias atrás. Martins não dá nome aos conspiradores, mas aponta um método: “[lançar] sobre ela uma série de adjetivações maliciosas e de acusações infundadas que não cumprem outra função senão a de torná-la tóxica e mal-vista (sic) pelas outras alas que compõem o governo”.
O objetivo seria jogar as equipes de Paulo Guedes e Sergio Moro contra a “ala anti-establishment”, vendendo o grupo como inimigo das reformas. Martins contesta e crê justamente no contrário. Acha que só Carluxo e seus soldados conservadores podem criar o ambiente de mobilização popular necessário à aprovação das medidas no Congresso.
A descrição de Martins sobre a realidade é típica de agentes políticos, mercadores de narrativas. Primeiramente, a ala “anti-establishment” está mais para ala conservadora ou olavista, como vem sendo chamada por aqueles que não são seus membros. Moro deve ser o brasileiro mais anti-establishment do século. Se tem alguma ala que mereça o nome no governo, é a de Moro e do reformista Guedes, a dos tecnocratas da sociedade civil, não faz sentido chamar assim um grupo liderado por quem foi vereador do Rio de Janeiro a vida toda.
Martins ignora também a desnecessidade de esforço conspiratório contra quem já trabalha sozinho pra se isolar. Carlos Bolsonaro já usou o Twitter para arranjar confusão com o presidente da Câmara dos Deputados, com ao menos um ministro de Estado e outros apoiadores do seu pai.
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Joice Hasselmannn, líder do governo no Congresso, atacou o PPS e Kim Kataguiri no último fim de semana, donos de quase 10 votos a favor da reforma previdenciária. Ninguém precisa inventar que a ala ideológica está isolando o governo: seus membros trabalham sozinhos pela própria má fama.
O que mais incomoda na análise de Martins não são os diagnósticos errados, mas os prognósticos meio psolistas que podem arriscar ainda mais a aprovação das reformas. Segundo Martins, o único meio eficaz de reformar a Previdência e o Código de Processo Penal é criar uma mobilização popular capaz de amedrontar deputados discordantes.
Vale notar que a mesma estratégia costuma ser citada pelo PSOL em debates eleitorais para o Executivo – o PSOL só defende isso mesmo, porque perde até para Marcelo Crivella em eleição para o Executivo. Quando pedem que um psolista explique a estratégia parlamentar para aplicar um programa tão radical, ele geralmente responde que pode governar com as ruas. Magicamente, as ruas amedrontariam deputados até a aprovação de projetos no Congresso.
Há dois problemas com essa narrativa. A primeira é que mobilizações populares de grande escala costumam ser espontâneas. Bolsonaro não criou junho de 2013, a greve dos caminhoneiros, a manifestação contra o impeachment e nem mesmo o movimento em torno de sua eleição. As circunstâncias foram mais fortes do que desejos pessoais na formação destes episódios históricos. É preciso muita boa vontade para crer que os bolsonaristas, sozinhos, são capazes de induzir algo do tipo.
Se a estratégia já está em curso, cabe notar que está dando errado. Muito errado. Em dois meses de governo, Bolsonaro só perdeu popularidade. O caso Queiroz e polêmicas diversas, do “golden shower” a Davos, enfraqueceram a imagem do presidente entre os eleitores. Bolsonaro não está conseguindo nem fazer a população gostar dele, quiçá ir às ruas defender o seu governo.
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Pior: a tentativa fracassada de criar uma mobilização pró-reformas pode acabar, de vez, com a possibilidade de aprovação da reforma em plenário. Um movimento cívico moralista e acusatório inevitavelmente gera desgastes, principalmente se fica só na tentativa.
Nos últimos dias, muitos cogitaram que Bolsonaro estaria aderindo às teses de Martins, tentando confrontar Maia para tentar criar o clima desejado por seus assessores olavistas. É possível, certamente. E se for verdade, pode ser o início do fim para o presidente.
Não haverá governo sem reforma. A situação da previdência inviabiliza a gestão das contas públicas nos próximos anos, assim como a provisão de diversos serviços pelo Estado. Todo plano de longo prazo precisa passar pelos 308 votos necessários à aprovação das reformas.
A ala olavista do governo brinca com fogo ao subestimar os custos de um eventual fracasso da sua estratégia. E brinca com o país ao defender que o presidente instabilize a política, com eficácia duvidosa, como meio para estabilizar a economia. Não é surpreendente que Guedes, Moro e cia estejam se afastando da turma de Martins: eles são os adultos na sala, trabalhando para pôr ordem no país, enquanto os olavistas lutam diariamente para confirmar que são tão malucos quanto a esquerda diz que eles são.
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