Quatro partidos protagonizaram até o momento a Sexta República, que não está parecendo tão Nova quanto prometeram. Com exceção de Severino Cavalcanti (eleito em fevereiro, caiu em setembro), Waldir Maranhão (uma parada aí que a gente está tentando esquecer) e do atual presidente Jair Bolsonaro, todos os presidentes da Câmara, do Senado e da República desde Fernando Collor (outra parada aí que queremos esquecer) vieram de PT, MDB, PSDB ou PFL.
A maior notícia do ano, talvez da década, é a ressaca infernal de três dos quatro grandes partidos da nossa história recente. MDB e PSDB têm o menor número de parlamentares da sua história. O PT tem o menor número desde 1994, eleição que ocorreu enquanto um plano econômico que o PT chamou de golpe estava aumentando o bem-estar da população em velocidade recorde.
Já o PFL não vai tão mal. Presidido pelo neto de ACM e comandado no Congresso pelo filho de César Maia, o partido voltou a ter como DEM o que muitos profetas garantiam que a legenda jamais voltaria a ter: futuro.
Nos tempos áureos, o PFL chegou a 118 das 513 cadeiras da Câmara no governo Collor e 19 das 81 cadeiras no Senado no primeiro governo FHC. Só que o “modelo de negócios” pefelista não previa muito tempo sem influência no Tesouro Nacional.
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Das 105 cadeiras na Câmara e 16 no Senado durante o primeiro governo FHC, o PFL foi encolhendo, virou DEM, continuou encolhendo e chegou ao primeiro governo Dilma com 21 cadeiras na Câmara e 4 no Senado. Entre 1998 e 2014, perdeu 80% dos deputados federais e 75% dos senadores, e foi de sete a zero governadores.
Nas eleições de 2018, o DEM aumentou em 50% o seu espaço no Parlamento: está com 29 deputados e 6 senadores. Do governo José Sarney para cá, o Senado Federal teve dois presidentes não-emedebistas e não-interinos: Antônio Carlos Magalhães e Davi Alcolumbre.
Com as presidências da Câmara e do Senado e ministérios que incluem Casa Civil, Saúde e Agricultura, o DEM terá mais capacidade de pautar para valer o debate federal do que MDB, PSDB ou PT. Até o momento, está em boa posição para barganhar novos sobrenomes na próxima ciranda partidária dos parlamentares. Certos modelos de negócio prosperam no Brasil.
Tornou-se relevante debater, tanto ou mais que em qualquer momento dos últimos anos, que DEM é esse e qual herança ele carrega consigo. E, principalmente, qual herança esse DEM pode deixar nesta nova fase. Será uma frente liberal?
Isto o DEM não pode ser porque nunca o foi. Não pretendo aqui discutir fronteiras rígidas sobre o liberalismo, dizer que este ou aquele cacique é liberal de menos, apenas não considero adequado um critério ideológico sincero a quem historicamente trabalhou por sobrenomes.
Ideologicamente, o leitor deve concordar que o militante do PSOL curte socialismo, Rio de Janeiro e Chico Buarque; que o bolsonarista gosta de conservadorismo moral, dureza para cima da bandidagem e Olavo de Carvalho; que o petista trabalha, acima de tudo, pelos interesses de Lula; e que o PSDB gosta de Higienópolis e dos jantares que lá organizam com economistas da PUC-Rio.
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Partidos dificilmente são guiados por ideias, mas alguns pelo menos fingem. O mero teatro pode ser bem importante. Foi para fingir melhor, com mais conteúdo, que o Novo se esforçou para atrair Gustavo Franco, o mais liberal entre os tucanos da PUC.
Uma coisa dessas nem está na esfera de interesses do DEM. Não é o acaso que leva o MBL a rejeitar o partido na retórica para sua base ideológica, apesar de eleger através dele todos os maiores quadros do movimento.
O DEM deve voltar ao governo para cumprir sua missão histórica: liderar o Centrão quando o MDB não pode. Centrão não é expressão recente e ligada necessariamente a DEM, PP e Rodrigo Maia. A expressão é comum desde os debates sobre a Constituinte.
Centrão, tal como debatido por Marcos Nobre num livro com o sugestivo título “Imobilismo em Movimento”, é o bloco parlamentar cuja função no Brasil é garantir que algo mude enquanto nada muda.
Para Nobre, os representantes do Centrão criaram com certa consciência um sistema político onde o presidente enfrenta alto custo na negociação parlamentar. Nosso peculiar presidencialismo de coalizão encarece a mudança negociada.
O Centrão é um lubrificante fundamental ao funcionamento do país, promovendo o diálogo entre o engessamento do presidente pelo parlamento e por uma classe política que lucra com o atraso.
Sem este lubrificante, o sistema brasileiro seria instável por dificuldade de atender a demandas inerentes à democracia. Os partidos do imobilismo negociam as dificuldades do presidente e cobram um preço pelo serviço. Custa caro por características de um sistema político co-desenhado pelo PFL.
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A maior contribuição que esse DEM pode dar como frente liberal seria a reedição do que o PFL fez de bom nos governos Collor e FHC: a ajuda em reformas liberais emergenciais para a economia. O tempo torna a tarefa nobre, o que também ocorreu nos anos 1990.
Sem solução para as contas públicas, os efeitos colaterais na democracia e liberdade de expressão virão. Acontece muito com Estados quebrados, como o do Brasil em 1964. Há mais de 10 anos, o Parlamento não é capaz de encaminhar soluções adequadas à dimensão do desajuste econômico brasileiro. É muito importante um lubrificante que faça o sistema funcionar, ou ele vai quebrar. Mas é possível que o eleitor decida que não tolera mais esse tipo de lubrificante no sistema. Talvez o eleitor esteja querendo isso desde junho de 2013.
Tanto governo quanto oposição, por motivos opostos, agora querem saber até que ponto esse DEM seguirá cumprindo sua velha missão de fingir a mudança. Se for uma reedição, a vontade do presidente terá impacto bem menor no destino do país. Ninguém seria capaz de imaginar, mas o PT termina a década desejando como inimigo o partido que Lula prometia extirpar.
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