"A posição do PSDB é de oposição ao governo Jair Bolsonaro”, disse João Doria em fevereiro de 2021. Em seguida, o governador de São Paulo ameaçou expulsar tucanos que se recusassem a fazer oposição — “peçam para sair, porque esta é a posição do PSDB”. Doria estava revoltado porque, poucos dias antes, boa parte dos deputados tucanos tinha votado em Arthur Lira na eleição para a presidência da Câmara.
As negociações com Lira foram lideradas por Aécio Neves e inspiradas por bilionárias emendas parlamentares. João Doria tentou expulsar o colega mineiro do partido — e fracassou. Rapidamente, veio a reação. Um grupo de deputados viajou ao Rio Grande do Sul para pedir que Eduardo Leite se lançasse como pré-candidato à Presidência da República.
Dias depois, o governador gaúcho deu uma entrevista à Folha. Declarou-se candidato e defendeu que o PSDB não deveria se portar como partido de oposição. Ressaltou que “o governo apresenta, do lado econômico, pautas que se aproximam daquilo que a gente defende”. O raciocínio pode fazer sentido para quem não acompanha os debates de Brasília, mas revela-se como lorota para qualquer observador atento.
Nesta semana, o partido que criou a Lei de Responsabilidade Fiscal votou em peso a favor da PEC dos Precatórios. Como bem colocado num editorial recente desta Gazeta do Povo, a PEC é fiscalmente irresponsável do início ao fim. Ou seja: mesmo quando o assunto é economia, os tucanos contrariam os próprios valores para agradar quem libera as emendas parlamentares.
Essa postura não aparece apenas em pautas econômicas — na PEC do voto impresso, por exemplo, o comportamento foi o mesmo. Muita gente acompanha apenas as declarações de presidenciáveis e sequer sabe que a bancada do PSDB vota com o governo nos projetos mais importantes.
O discurso de Eduardo Leite ecoa George Orwell: políticos não costumam prezar pela verdade, pois frequentemente precisam defender o indefensável. O governador gaúcho sabe que deputados tucanos votam a favor do governo em troca de emendas parlamentares, mas não pode falar a verdade em alto e bom som.
Da mesma forma, o governador de São Paulo sabe que sua fantasia progressista e oposicionista tem a mesma motivação do movimento Bolsodoria: não passa de oportunismo eleitoreiro. João Doria só pensa em ser presidente desde que largou a prefeitura de São Paulo após 15 meses de mandato.
Hoje, Doria quer que o PSDB seja mais ideológico e oposicionista. Aécio e os deputados preferem uma linha fisiológica, buscando negociações com o Executivo para priorizar a própria eleição. É curioso lembrar que o próprio Aécio, quando tinha chance de ser presidente, tentou ensaiar uma postura diferente da atual. Eduardo Leite, por sua vez, também quer se diferenciar do governo, mas defende os deputados, pois precisa deles para ser candidato à Presidência em 2022.
Não por acaso, os eleitores de direita trocaram o PSDB por Bolsonaro. É possível fazer diversas críticas ao presidente, mas ninguém pode negar que ele representa uma parte da nação.
Muitos milhares de brasileiros voluntariamente vão às ruas para defender Bolsonaro. Muitos milhares dizem que o presidente é o líder do mesmo projeto que eles defendem para o país. Quem topa defender qualquer líder tucano nos mesmos termos? Se muito, a mãe e o chefe de gabinete dele.
Essa decadência não é recente. O PSDB nasceu na centro-esquerda, mas foi perdendo sua identidade. Primeiro, era preciso atrair eleitores de direita para derrotar o PT. No governo Lula, ao invés de firmar uma posição ideológica, os tucanos variaram: a cada 4 anos, a direção do partido era entregue ao cacique diferente que pretendia ser candidato à Presidência nas eleições seguintes.
Essa perda de identidade teve um alto custo. Depois de eleger 99 deputados federais em 1998, a bancada tucana diminuiu em todas as eleições desde então e, hoje, tem 32 deputados. Concentrados nos próprios umbigos, não viram o bonde passando. Ficaram pra trás.
Não nego que, nos últimos 30 anos, o PSDB deixou alguns legados positivos para o país. A história do partido de Mário Covas merece respeito. O problema é que as novas gerações se esforçam para que o partido se torne apenas isso: história.
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