“Só usa a bunda assim agora, Jesus?”, perguntou um seguidor que se dirigia a Anitta, apesar da referência ao Messias. Contrariando expectativas, a funkeira respondeu como professora em escola de negócios, discorrendo sobre a “estratégia da continuidade”:
“É uma das táticas para transformar o produto em algo além da oferta principal – no meu caso, a música. Repare que, desde o Rock in Rio, só usei o mesmo estilo de cintura alta com calcinha pro alto. Este mês, os shorts da coleção já estão sold out [esgotados] em todas as lojas. (...) Se você pesquisar, vai ver várias pessoas se fantasiando dessa forma no carnaval. Assim, pulverizo a [minha] marca de maneira natural e indireta, não ficando 100% dependente do produto principal. A marca continua em alta. Lá na frente, a gente tira proveito dessa criação e partimos pra outra.”
Imagino quão difícil é atuar no setor de Anitta. Hits do verão são imprevisíveis. Não é fácil lançar uma música nova, ano após ano, tendo garantia de que será o grande sucesso do carnaval brasileiro.
Sabendo da sazonalidade do seu negócio, a cantora decidiu vender também uma linha de roupas atreladas à sua imagem. Observou as tendências do momento antes de escolher como se vestiria. Durante centenas de eventos ao longo de vários meses, tomou cuidado para que o figurino sempre se adequasse ao plano de negócios. Deu certo. Anitta não lançou o grande hit do verão e, mesmo assim, segue inabalável como número 1 do pop brasileiro.
Longe de se tratar de um assunto fútil, a estratégia de Anitta para a exposição da própria bunda ilustra o que é a atividade empresarial, o exercício de ganhar dinheiro atendendo às preferências de terceiros. Infelizmente, quando falamos de empresários no Brasil, a geração de valor não é a única prática que nos vem à cabeça. Não deveria ser assim.
Peço que o leitor abstraia julgamentos morais ou estéticos sobre o estilo da cantora e repare a mentalidade com a qual ela trata a própria marca. As virtudes burguesas, nitidamente presentes em Anitta, são essenciais para o desenvolvimento do país.
O que é a atividade empresarial?
O empresário é alguém que se dispõe a administrar fatores de produção para entregar valor econômico aos clientes. Em geral, os fatores de produção são divididos em capital e trabalho.
No caso de Anitta, o trabalho é o dela mesma, dos produtores, maquiadores, dançarinos, construtores dos palcos onde ela faz shows, vendedores de lojas que comercializam suas linhas de roupas, etc. O capital, por sua vez, vai do equipamento de gravação ao figurino utilizado.
A estratégia de Anitta consiste em, a partir dos fatores de produção à disposição, maximizar o valor econômico gerado para o cliente. Além de vender canções, ela usa sua exposição nos palcos para vender também um estilo. Gera dinheiro no curto prazo e mantem a marca em evidência caso as músicas não emplaquem.
Anitta é uma empresária “raiz”. Ela olha para os recursos à sua disposição – voz, corpo, equipe, etc – e pensa em como gerar valor para o público, precavendo-se contra as intempéries do show business.
O que Anitta tem a ver com o desenvolvimento de longo prazo do Brasil?
Em julho do ano passado, escrevi sobre fatores de produção noutra coluna da Gazeta. Segundo o esperado pelos estudiosos do desenvolvimento econômico, países pobres tem mais facilidade para crescer do que países ricos. Daí vem a ideia de economia emergente, aquela que está se aproximando das economias avançadas.
Contrariando expectativas, o Brasil não está emergindo. Desde 1980, o PIB per capita do Brasil cresceu menos que o dos Estados Unidos. Nosso crescimento de longo prazo tem sido muito baixo. O que é surpreendente, dado que, no mesmo período, o Brasil cresceu mais que os Estados Unidos em número e escolaridade dos trabalhadores. Além disso, acumulamos mais capital físico. Os resultados estão documentados em pesquisas como a de Fernandez-Arias, discutida na coluna linkada acima.
Os empresários brasileiros possuem cada vez mais fatores de produção à disposição em relação aos americanos, mas a produção cresce menos. Mas nossa produtividade – a capacidade de gerar mais com menos – tem patinado. Os empreendedores não conseguem maximizar o valor econômico a partir dos insumos disponíveis.
Nosso problema é que a maioria dos empreendedores brasileiros tem dificuldade para fazer o mesmo que Anitta.
Por que é tão difícil criar riqueza no Brasil?
Anitta possui habilidades específicas e muito raras, especialmente na percepção do que o público jovem quer consumir. Essas habilidades são extremamente bem remuneradas no mercado de trabalho deste início de século 21. O assunto é discutido há anos em artigos como o seminal “The Economics of Superstars”, de Sherwin Rosen, publicado na American Economic Review em 1981.
Essa valorização das habilidades de super-estrelas permite que Anitta ganhe muito dinheiro por hora trabalhada. Uma consequência é que ela pode ter uma ideia comercial com a equipe criativa, passar para a assessoria e preocupar-se apenas com a geração de publicidade em torno da ideia.
Assim, Anitta não lida diretamente com fila de cartório, burocracia tributária e processos trabalhistas. Sua alta produtividade na parte criativa do negócio permite um foco exclusivo, com terceirização de outras atividades para gente que entende melhor sobre como produzir roupas e videoclipes.
A maioria dos empreendedores brasileiros não possui o mesmo privilégio setorial, nem um dom excepcionalmente bem remunerado. Eles perdem um tempo valioso lidando com burocracias improdutivas, ao invés de ocupar a própria cabeça com a maximização do valor gerado no seu negócio.
Além de burocrático e repleto de incertezas inexistentes em países mais sérios, o ambiente de negócios brasileiro tem regras irracionais, que prejudicam a alocação dos recursos. Cada produto paga uma alíquota de imposto diferente, cada um tem sua própria regra para importação e, no fim, a maximização da produtividade perde espaço para especificidades da legislação.
Um exemplo está na engenharia civil, onde a construção com pré-moldados paga imposto como indústria, com o dobro da alíquota cobrada na construção tradicional, no canteiro de obras, que é tributada como serviço. Como resultado, um método de produção possivelmente mais eficiente deixa de ser adotado porque não faz sentido do ponto de vista tributário.
Outro exemplo é a guerra do ICMS. As isenções concedidas por governadores visando a implantação de indústrias em seus estados fazem com que a decisão sobre onde produzir deixe de refletir o valor econômico gerado em cada local.
O Brasil é pródigo na criação de distorções que atrapalham a maximização da produtividade pelo empreendedor. Esses empecilhos dificultam o surgimento de “empresários raiz”, focados na criação de riqueza.
Ainda pior, este cenário faz com que muita gente tente extrair renda a partir regras anti-econômicas, ao invés de gerar valor para o consumidor final. Um dos grandes problemas econômicos do Brasil é este: o empresariado brasileiro está repleto de Odebrecht’s e FIESP’s.
Quando o país do futuro der certo, nossos empresários se parecerão mais com Anitta, com muita disposição para concorrer no exterior e pouca para pedir benesses ao Estado. Inclusive porque, apesar desta coluna tratar de eficiência produtiva, a justiça social é outro assunto de extrema relevância para o Brasil, país que só vai dar certo quando a população nascida na periferia puder empreender com sucesso.
A cabeça de Anitta faz falta na burguesia brasileira. Sim, a cabeça. A bunda dela foi só um pretexto para discutir os grandes desafios do país. Ou, como diria a funkeira, uma estratégia para transformar esta coluna em algo além do produto principal.
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