Os clubes de futebol brasileiros são obrigados a divulgar, até o final de abril, suas demonstrações financeiras referentes ao ano anterior. Brasileiramente, a maioria dos clubes deixou a divulgação para a última hora, agitando o noticiário esportivo na semana passada.
É difícil analisar os números. Cada um adota critérios contábeis próprios que dificultam a comparação. Situação similar à de um certo país onde estados e municípios decidem como calcular os parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A maioria dos clubes, assim como no governo federal, trata o próprio orçamento como peça de ficção. O resultado, no futebol e no governo, é uma grande incerteza em relação ao crescimento da dívida.
Com frequência, cartolas ignoram as necessidades econômicas dos clubes e preocupam-se apenas em vencer as eleições seguintes. Em geral, os clubes que tiveram eleições em 2020 são os mesmos que registraram grandes aumentos no endividamento.
Muitos economistas descrevem a irresponsabilidade fiscal como fruto de um descasamento entre os incentivos do ciclo político-eleitoral e o momento do ciclo econômico pelo qual um país passa. A política econômica brasileira antes das eleições de 2014 é um bom exemplo. O cenário indicava a necessidade de ajuste fiscal, mas Dilma fez o oposto para vencer a eleição.
A mesma dinâmica ocorre nos clubes de futebol. O rival vence, a torcida pressiona e o cartola toma decisões insustentáveis a longo prazo. Arrisca-se o futuro para atender ansiedades de curto prazo. Todo esse processo, claro, influenciado pelo ciclo político-eleitoral de cada clube.
Para um economista, é difícil não lembrar das ideias de Acemoglu e Robinson sobre a riqueza das nações. Os dois lideram uma tendência da literatura acadêmica que, cada vez mais, associa o desenvolvimento de longo prazo ao caráter inclusivo ou exclusivo das instituições nacionais.
Países com instituições inclusivas, onde as decisões de Estado refletem o melhor interesse da população, teriam facilidade para se desenvolver a longo prazo. Já aqueles com instituições exclusivas, onde as decisões de Estado refletem interesses privados de parte da população, tendem a fracassar, segundo essa leitura.
Quando observamos a política dos clubes brasileiros, o caráter exclusivo das instituições é evidente. Regras estranhas dificultam o acesso aos títulos de sócio com direito a voto. O futuro de clubes com milhões de torcedores é decidido em eleições com menos de 5 mil votantes.
Em muitos casos, cartolas transferem benefícios pessoais para parte desses votantes e, assim, ficam anos no poder à revelia do que a torcida deseja. A restrição ao voto facilita fraudes. Qualquer semelhança com as descrições clássicas sobre oligarquias e ditaduras não é mera coincidência.
No nível das confederações, o mesmo problema aparece. O calendário do futebol brasileiro é exótico e nonsense, mas persiste porque as federações estaduais são decisivas para eleger o presidente da CBF. A confederação prejudica o futebol brasileiro para atender interesses particulares.
Felizmente, os resultados do futebol têm sido didáticos para o torcedor brasileiro. Clubes como Flamengo, Palmeiras e Grêmio dominam as competições após anos de boas gestões.
Em geral, esses clubes colhem o sucesso de reformas estruturais que alinharam os interesses de cartolas com os dos torcedores. O estatuto do Flamengo, por exemplo, passou a prever que o presidente paga com seu patrimônio pessoal caso sua gestão leve ao descontrole da sua dívida.
Além da responsabilidade fiscal, ciência e conhecimento tem sido fundamentais para o sucesso no futebol. Os alemães nos ensinaram uma bela lição no 7 a 1 e repetiram o feito contra o Barcelona, na última Champions League.
Os portugueses transformaram futebol em assunto de acadêmicos e passaram a produzir alguns dos melhores técnicos do mundo, inclusive os vencedores das últimas duas Libertadores. O Athletico Paranaense aposta num corpo técnico qualificado para conseguir resultados melhores do que concorrentes com maior orçamento.
Acemoglu e Robinson enfatizam a importância da democracia por um bom motivo. Graças à democracia, Dilma caiu e Bolsonaro sofre com a falta de transparência do orçamento 2021. Graças aos balanços e às análises da imprensa, o torcedor fica atento ao que deu certo no rival e cobra que o clube dele copie as boas práticas.
Imagino que alguns leitores habituais torceram o nariz quando notaram que a coluna da semana é sobre futebol – especificamente, sobre tendências que aparecem nos balanços recém-divulgados. Em geral, dedico este espaço a análises sobre economia e política do Brasil, assuntos tidos como mais elevados que o futebol.
Propositalmente, escrevi a coluna transitando entre o desenvolvimento do Brasil e do futebol brasileiro, sem fazer distinção. Afinal, política e economia só podem ser pautas mais elevadas se forem pautas diferentes. A verdade é que a gestão dos clubes brasileiros pode ensinar muito sobre os grandes problemas nacionais.
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