Fora de Salvador, ACM Neto é associado principalmente a seu avô, um dos políticos mais importantes do Brasil no século 20. Imagino que, em pouco tempo, ele será conhecido pela habilidade política notável. Repare, leitor, que não me refiro às ideias que ele defende, nem às políticas implementadas. Me refiro à capacidade de fazer a diferença no jogo político.
Presidir o DEM durante os últimos anos, transformando um partido desacreditado no grande vencedor das eleições de 2020, já seria suficiente para um político merecer menção entre os mais talentosos do país. A vitória de Bruno Reis em Salvador, que começou o ano desconhecido e terminou como prefeito eleito com a maior vantagem dentre todas as capitais, é outro feito raro. Depois desse imenso sucesso em 2020, ACM Neto ainda começou 2021 ofuscando Rodrigo Maia nas eleições da Câmara.
Ao contrário do que muitos pensam, ACM Neto não recebeu a prefeitura de mão beijada, como presente do avô. O carlismo, como era conhecido o grupo do velho ACM, estava em seu pior momento. Em 2002, o PFL tinha todos os senadores da Bahia, assim como o governo do Estado e a prefeitura de Salvador. De 2002 a 2010, o carlismo perdeu todos esses cargos para PDT, PT e PSB – como se não bastasse, o próprio ACM morreu nesse período.
Em 2012, quando ACM Neto disputou a eleição, o sobrenome do avô atrapalhava mais do que ajudava. O anticarlismo talvez fosse a principal identidade política do estado, como o antipetismo foi recentemente em âmbito nacional. A vitória nas eleições municipais foi mais conjuntural, fruto de problemas dos adversários, do que uma demonstração de apoio do soteropolitano à família Magalhães.
Como baiano, vi isso de perto. E o mais impressionante foi perceber, depois de todo o desgaste, praticamente todos os meus amigos e parentes anticarlistas votando no neto de ACM em 2016. No ano passado, novamente votaram num candidato apadrinhado por ele. Durante quase toda a sua gestão, ACM Neto foi o prefeito mais bem avaliado do Brasil, com uma aprovação quase unânime. No ano passado, uma das pesquisas IBOPE perguntou se os eleitores queriam mudança ou continuidade. Naturalmente, a mudança ganhou na grande maioria das cidades. Salvador liderou o extremo oposto, com a folgada maioria dos eleitores desejando continuidade.
Não houve uma nova reflexão do baiano sobre o legado do carlismo. A mudança se deu porque a gestão em Salvador foi boa. É simples assim. Apesar de ter encontrado uma prefeitura em má situação fiscal, ACM Neto percebeu que poderia reconquistar o eleitorado com algumas obras razoavelmente baratas, que poderiam ser feitas a curto prazo. A orla de Salvador, que andava maltratada, teve mudanças estruturais já nos primeiros meses de gestão, com nova iluminação e criação de espaços públicos para aumentar o conforto do pedestre. Foi uma jogada muito inteligente, inspirada em boas práticas do urbanismo contemporâneo e demonstra que o neto aprendeu com o avô, um mestre em acumular poder através do orgulho baiano. Nos primeiros meses, a desconfiança de muitos se transformou em apoio, e a gestão conseguiu emplacar avanços em diversos fronts, inclusive no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Por sinal, não faltam semelhanças entre neto e avô. Ambos começaram a carreira como ferrenhos opositores da esquerda no parlamento: ACM lutava contra Jango e apoiou o golpe de 1964, enquanto Neto foi protagonista na CPI do Mensalão. Ambos saíram do Congresso Nacional para a prefeitura de Salvador, onde fizeram uma gestão modernizante com grande atenção para o urbanismo. É sintomático que o avô tenha construído grandes avenidas para carros e o neto tenha reformado praças e calçadas para uso do pedestre. Os dois estavam alinhados com o pensamento do seu tempo, com 60 anos de intervalo.
Em termos ideológicos, tanto ACM quanto Neto costumam se aliar à direita, mas categorias gerais como conservadorismo, liberalismo e socialismo não estão entre suas principais preocupações. O discurso dos Magalhães foca principalmente em temas locais, como o amor pela Bahia e a capacidade de entregar resultados, especialmente de tocar obras.
Entre um e outro, o Brasil mudou. Muitas das práticas patrimonialistas e autoritárias que foram atribuídas a ACM não são sequer viáveis em nosso tempo. Mas muito se mantém.
Após sair da prefeitura nos anos 1970, ACM escolheu um sucessor que começou na política junto a ele, com quem mantinha uma relação de profunda lealdade. E repetiu a prática posteriormente, ocupando diversos cargos na Bahia com jovens afilhados políticos, o que garantia a manutenção do seu poder. A partir daí, também garantiu um papel de liderança nacional nos seus partido, mostrando poder com articulações inesperadas e malabarísticas. ACM Neto segue os mesmos passos com a indicação de Bruno Reis como sucessor, a presidência do DEM e o acordo de última hora na eleição da Câmara, contrariando Rodrigo Maia.
Nem tudo são flores. Parte do impulso modernizante na primeira gestão de ACM hoje soa antigo, e o mesmo deve ocorrer com parte da gestão de Neto. Após o sucesso inicial, o carlismo perdeu sua capacidade de renovação e teve gestões mal avaliadas, que contribuíram para a derrocada posterior. Já o apoio ao regime militar, apesar de ter impulsionado a carreira de ACM no curto prazo, se transformou num fardo durante a Nova República. Ou seja, a boa gestão de ACM Neto está longe de significar que sua carreira deixará legado positivo para o país.
Apesar de terem posturas similares e impetuosas, os dois tem uma diferença clara no modo de fazer política: o barulho que fazem. Notoriamente, ACM não podia ver uma briga sem tentar entrar. Gritava com frequência e dedicava discursos cortantes aos seus inimigos. ACM era som e fúria, tal como o título do famoso romance de William Faulkner.
Neto manteve a fúria, mas prefere agir em silêncio. Não sei se por personalidade ou necessidade. Sei que, assim, ele conseguiu o que parecia impossível: reconstruiu o carlismo. A negociação para a eleição de Arthur Lira mostra que ACM está de volta. Nos resta saber se, além de aprender com os truques do avô, Neto também aprendeu com os erros dele, que não foram poucos.
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