A verticalização urbana – isto é, o crescimento da cidade para cima, com a construção de novos prédios – voltou ao debate público recentemente, especialmente após uma coluna recente que foi publicada no Estadão. No texto, o colunista Pedro Nery argumenta que Clara, protagonista de “Aquarius”, é a vilã do filme. Lutando contra um novo empreendimento no Recife, fazendo tudo para preservar um imóvel antigo da sua família, Clara aparece como heroína no filme, mas seria antagonista do interesse público.
Muitas pessoas reagiram ferozmente à coluna de Nery. Seria apenas mais um que só pensa no lucro e defende os interesses das construtoras. Afinal, quem ganha com a verticalização?
A maioria dos argumentos utilizados para defender a verticalização são, na verdade, defesas do adensamento urbano. A diferença entre os dois conceitos é fundamental. Adensamento é a concentração de mais pessoas num mesmo espaço urbano. As duas coisas parecem obviamente interligadas num primeiro momento, mas nem sempre caminham juntas.
Como sempre lembra Raul Juste Lores, jornalista especializado em arquitetura e urbanismo, Paris e Barcelona são cidades mais densas do que Nova Iorque. A grande metrópole dos Estados Unidos é famosa pelos prédios altos, mas tem menos moradores por metro quadrado do que cidades europeias famosas pelos seus predinhos. Isto nos mostra que edificações baixas e próximas umas às outras podem ter mais moradores do que prédios imensos.
A mesma realidade aparece nas cidades brasileiras. Em São Paulo, os bairros mais densos não estão na região da Faria Lima ou em um bairro nobre formado por prédios. A periferia, com autoconstruções precárias e irregulares, apresenta densidade superior à dos bairros prediletos das construtoras.
É sintomático que um dos prédios mais altos de São Paulo, inaugurado este ano, sirva como residência para cerca de 50 famílias. Num terreno de tamanho similar, o Copan serve como residência para 5 mil pessoas. A diferença é que, no Copan, a construção ocupa quase todo o terreno. No arranha-céu recém-inaugurado, uma torre fina e alta é cercada por um muro de proteção. O resto do espaço é dedicada a um imenso playground onde os moradores podem se isolar da cidade em paz.
Há uma última diferença, é claro: o Copan é um marco arquitetônico que eleva a importância de São Paulo pelo mundo. O edifício será lembrado por décadas, talvez séculos. Nos anos 1950 e 1960, os paulistanos foram pródigos na arte de construir, com diversos edifícios que fizeram fama nos círculos da arquitetura internacional. Em “Sampa”, Caetano lembra a “dura poesia concreta das suas esquinas” ao exaltar São Paulo.
O arranha-céu de 2021 deixa um muro como legado para a cidade e segue a forma-padrão dos edifícios de luxo no Brasil atual. Não é motivo de orgulho para os paulistanos. Muitos usam o caso para lembrar como a iniciativa privada é um desastre ético e estético. Bobagem: o Copan, o tão celebrado Copan, também foi construído por empreiteiros interessados no lucro. O que diferencia os dois prédios é a regulação vigente em cada época – ou seja, o coração do problema está no setor público.
Desta forma, é pouco produtivo discutir se a verticalização é boa ou ruim. De qual verticalização estamos falando? Um prédio alto gera externalidades para toda a cidade, começando pela interferência na paisagem e a sombra gerada pelo edifício. Portanto, mesmo que a verticalização seja uma ferramenta útil para democratizar a cidade, ela precisa ser utilizada com inteligência e prudência.
Como saímos do Copan para um arranha-céu murado e tão questionável? É importante refletir sobre o tema, assim como é natural que urbanistas e burocratas tentem fugir desse debate. Afinal, se discutirmos o assunto, corremos o risco de descobrir que a decadência ética e estética é um problema que percorre diversos setores da elite brasileira, indo muito além das construtoras.
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