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O primeiro assalto a gente nunca esquece. Minha estreia foi aos 11 anos. Estava no colégio e decidi voltar a pé. Pouco mais de um quilômetro numa avenida movimentada – a Av. Paulo VI (Sexto), em Salvador – me separavam de casa. Pensei: nem é tão longe assim, a rua está cheia e não quero esperar. Ingenuidade infantil. Apesar de cheia de carros, a Paulo Sexto é cercada por um terreno do Exército com um imenso muro. Quem anda pelas calçadas fica espremido entre uma parede e carros que passam rápido, sem olhar para o pedestre. Oportunidade de ouro para o assaltante.
Anos depois, quando comecei a estudar urbanismo, aquele episódio na Paulo Sexto continuava passando pela minha cabeça. Afinal, uma das ideias centrais do urbanismo moderno são os “olhos da rua”. Como bem lembrava Jane Jacobs durante sua militância por uma Nova Iorque mais amigável para o pedestre, o olhar humano é fundamental para a segurança pública. Carros e muros não intimidam um assaltante. Por outro lado, pedestres, vitrines e pessoas com os olhos voltados para a rua são capazes de, sem uma arma sequer, aumentar a segurança de uma região da cidade.
Pouco depois de ser assaltado, me surpreendi ao saber que a Paulo Sexto é terreno fértil para assaltos daquele tipo. Uma avenida não precisa apenas de movimento para ser segura. Ela precisa dos olhos da rua.
Lembro do episódio porque, faltando um mês para as eleições municipais, o urbanismo segue ignorado pelo debate público. Tem quem veja o assunto, bizarramente, como tema de rico desocupado, como se o objeto de estudo fosse meramente estético. Não é. Urbanismo também é segurança pública, como os olhos da rua deixam claro. E a pesquisa acadêmica tem confirmado a tese: ruas iluminadas, calçadas vivas e vibrantes são grandes temores dos assaltantes, que preferem ruas escuras, muradas e longe dos olhos humanos.
Urbanismo também é política econômica. Mudanças no Plano Diretor, nas leis de zoneamento e no Código de Obras são capazes de incentivar a atividade econômica, gerando empregos. A construção civil, não por acaso, é um dos setores que mais empregam no país.
Além de gerar empregos e ruas mais seguras, urbanismo também pode ser política de inclusão social e combate à desigualdade. Como tem sido demonstrado na pesquisa de economistas como Edward Glaeser, a convivência entre diferentes classes sociais num mesmo bairro tende a aumentar a renda futura das crianças mais pobres que vivem por lá. Além de conviverem com pessoas mais escolarizadas, os moradores de bairros centrais têm melhor acesso à saúde, educação e diversos serviços. A segregação urbana não é mera consequência da alta desigualdade social, mas também é uma de suas causas.
Tudo isto indica que o urbanismo deveria ser tema central do debate público. Motivo simples: o assunto importa. Um bom debate urbano faria diferença na vida das pessoas. Menos tempo no trânsito, mais sensação de segurança, mais acesso a escolas e menos segregação social – eis alguns dos objetivos que poderíamos almejar com uma boa política urbana.
No último debate para as eleições de São Paulo, o candidato Arthur do Val perguntou a Celso Russomanno o que ele pensava sobre a revisão do Plano Diretor em 2021. Arthur, que tem dado mais atenção ao tema do que outros candidatos, provavelmente pretendia jogar uma casca de banana, imaginando que o adversário não saberia responder nada sobre urbanismo. E acertou. A resposta de Russomanno foi sobre seu projeto de lei que diminuiu os acidentes com botijão de gás. O Plano Diretor, vale lembrar, é a peça central da política urbana de uma cidade. Russomanno, líder das pesquisas para gerir a maior metrópole do hemisfério, não consegue discutir o tema sem se enrolar.
O caso de Russomanno é um símbolo de algo maior. Diga-me, caro leitor: qual a visão econômica de Bolsonaro? E a de Dilma? Essa é fácil. Afinal, o debate econômico está nos jornais, nas redes sociais e em todo lugar. Mas o que Kalil, Covas, Crivella e cia pensam sobre urbanismo? Essa é bem mais difícil de responder. Em geral, eles não pensam nada muito profundo sobre o assunto. Curitiba, governada pelo urbanista Rafael Greca, é exceção.
Uma mudança até parece visível. Em São Paulo, candidatos como Matheus Hector, do Novo, tentam levar o debate à frente com novas ideias. O vereador belorizontino Gabriel Azevedo é outro que se engaja nesse debate. Infelizmente, são poucos os que se importam com o assunto. E não se engane, leitor: quando falo em “cegos da urna” no título do texto, não me refiro apenas aos candidatos e prefeitos, certamente culpados por esse cenário. Se o eleitor fizesse sua parte e cobrasse um posicionamento, nossas cidades seriam muito melhores.