“A história econômica da América Latina parece se repetir eternamente, seguindo ciclos dramáticos e irregulares”. É assim que Rüdiger Dornbusch abre um de seus artigos clássicos sobre o populismo macroeconômico. Se o leitor me pedisse uma indicação de leitura para entender a crise econômica recente, eu recomendaria os escritos de Dornbusch.
Apesar de a América Latina ser conhecida como terra fértil para a espécie, as faculdades de extrema-humanas do nosso subcontinente costumam abordar o populismo com desdém. É comum ler quem o trate como xingamento de conservadores buscando deslegitimar governos populares. Certa esquerda, adepta do argentino Ernesto Laclau, chega a tratar o populismo como mal necessário, uma arma para libertar a classe trabalhadora.
Esses acadêmicos operam como ideólogos, no sentido marxista da palavra. Suas ideias existem para sustentar determinadas relações de produção – ou seja, formam a estrutura que permite a reprodução do populismo por aqui. Não é por acaso que muitos exemplares da espécie, de Perón a Dilma, tenham sido apoiados pelos mesmos intelectuais que relativizam na teoria o mal dos populistas.
Dornbusch foi um professor alemão do MIT. Orientou o doutorado de dois banqueiros centrais sulamericanos – Ilan Goldfajn, atual presidente do Banco Central (Bacen), e o chileno José de Gregorio – e também de Paul Krugman, vencedor do Nobel e economista de esquerda mais influente do mundo. Seus artigos mais importantes sobre nossa região datam da virada entre as décadas de 1980 e 1990.
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Para Dornbusch, o populismo econômico é definido como “uma abordagem à economia que enfatiza crescimento e redistribuição da renda, dando menor importância aos riscos da inflação, financiamento de déficits, restrições externas e reações de agentes a intervenções agressivas nos mercados”. Em seguida, vem o seguinte alerta: “meu propósito não é defender uma política econômica conservadora, mas emitir um alerta de que políticas populistas sempre falham, e quando falham impõem um alto custo aos grupos que supostamente deveriam beneficiar”.
Os populistas transformam a pobreza e a desigualdade da América Latina em arma retórica para ignorar o financiamento de promessas. É uma revolta contra injustiças reais, mas irresponsável, de modo que acaba piorando os problemas que supostamente resolveria. Apesar de frequentemente alcançar seus objetivos de curto prazo, o legado populista leva a mais pobreza e mais desigualdade.
Juan Perón, o exemplo mais marcante de populismo na América Latina, chegou a confessar a prática em carta ao então presidente do Chile, nos anos 1950. As palavras de Perón exemplificam como o raciocínio populista opera, transformando preocupações com o longo prazo em desculpa de quem não gosta de pobre:
“meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende”.
Qualquer semelhança com políticos brasileiros não é mera coincidência.
Dornbusch chegou a identificar os estágios do populismo, que sempre me lembraram uma célebre frase de Ivan Lessa: “a cada 15 anos, os brasileiros esquecem do que aconteceu nos 15 anos anteriores”. É assustadora a repetição da nossa história econômica republicana.
Na primeira fase do ciclo populista, um período de bonança incentiva a aposta em políticas expansionistas – mais gasto, impressora de dinheiro rodando a todo vapor, etc. Foi o que ocorreu no Brasil durante os governos de Getúlio, JK, Geisel e na transição Lula/Dilma.
Na segunda fase, os desequilíbrios macroeconômicos ficam claros e começam a cobrar seus custos. Foi o que ocorreu após todos os exemplos acima. O golpe de 1964, por exemplo, se deu em meio aos fortes desequilíbrios herdados de JK. Idem para a grande crise no governo Figueiredo, após o expansionismo de Geisel, intimamente ligado às Diretas Já. Raciocínio análogo vale para o governo Dilma e seu impeachment.
Por fim, chega a terceira fase, quando algum ajuste na política econômica se torna inadiável. É onde o Brasil se encontra atualmente. É difícil chegar a um acordo quanto a quais gastos devem ser cortados porque o ciclo geralmente acaba numa combinação de recessão, déficits e inflação. Como se não bastasse, os eleitores podem confundir remédio e causa: quem pisa no freio pode levar a culpa pelas dificuldades, dado que muitos dos custos de pisar no acelerador só ficam claros quando a política econômica se esgota.
A instabilidade política, outra característica da América Latina, é bem explicada pelas ideias de Dornbusch. Quando o governo frustra a população por não conseguir financiar as expectativas que ele mesmo gerou, a desconfiança no processo político se alastra. A democracia dificilmente se consolidará por aqui enquanto estiver sujeita a fortes ciclos populistas.
Como quebrar esse ciclo? Eis a pergunta que vale ouro – e, na minha opinião, a mais importante para o eleitor brasileiro em 2018. Para fugir do eterno retorno, um bom primeiro passo é rejeitar todo político que usa a pobreza e a desigualdade para justificar o desprezo às restrições que envolvem orçamento, taxa de câmbio ou de juros.
Em português: desconfie de quem promete muito enquanto desvaloriza a importância do ajuste fiscal. Fique esperto quando um populista confundir austeridade com maldade. Nos próximos 15 anos, precisamos nos lembrar do que aconteceu nos últimos 15.