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É curioso notar que o governo mais militarizado da Nova República passa pelo seu pior momento durante uma crise que exige, principalmente, planejamento militar. Não me refiro a munição, fuzil e tanques. O Brasil precisa, antes de tudo, de um plano de ação imediata, exatamente aquilo que os generais são treinados para fazer.
Numa guerra, as Forças Armadas não agem somente com armas. Planos são ainda mais importantes. Na guerra atual, é preciso articular o conhecimento de virologistas, epidemiologistas, intensivistas, economistas, industriais e outros profissionais, de modo a viabilizar um planejamento logístico que indique qual caminho devemos seguir.
Muita gente dedicou os últimos dias para discutir a tese do “isolamento vertical” — em contraposição ao “isolamento horizontal” —, cuja ideia é restringir a quarentena aos grupos de risco.
De fato, o custo econômico do isolamento horizontal é altíssimo. Fome, desemprego e falência são ameaças reais a muitos brasileiros. Mesmo que políticas públicas aliviem a dor, elas dificilmente serão rápidas o suficiente. A renda básica emergencial, recém-aprovada, surgiu após quase 10 dias de paralisação da economia.
Mas há um problema: para relaxar o isolamento horizontal, precisamos de um plano. Qual é o nosso? Quando a quarentena será relaxada? Quais os planos do governo para evitar novas paralisações, caso as ocorrências de Covid-19 sigam crescendo descontroladamente? O que nós vamos fazer para achatar a curva? A maioria dos brasileiros não faz ideia. Está cada vez mais evidente que a quarentena não vai acabar cedo.
Alguns países conseguiram manter parte da economia aberta. É o caso da brava Hong Kong, que interrompeu sua luta por independência em nome de um bem maior. O cidadão honcoguês pode checar, num site do governo, tudo o que é necessário para evitar o vírus. Todos os infectados de Hong Kong aparecem num mapa geolocalizado, que mostram os bairros onde há maior incidência do vírus. Quando alguém é internado, o governo informa qual é o hospital, de modo que todos podem evitar os mais lotados e tratar outras doenças nos locais onde não há infectados por Covid-19. O site informa também o método de contaminação — se o vírus foi contraído em Hong Kong ou território estrangeiro —, uma informação útil para saber por onde é seguro andar.
Também na Ásia, há o exemplo sul-coreano. Calejada por epidemias anteriores, a Coreia do Sul está preocupada com o novo coronavírus desde janeiro. Os primeiros 30 pacientes infectados foram identificados imediatamente no momento em que entraram no país. A paciente 31, missionária de uma igreja local, foi a primeira a passar despercebida e iniciou o surto de transmissão comunitária em Daegu, em meio a cultos com milhares de pessoas.
Para controlar o problema, a Coreia iniciou a fase dois: quarentena severa em Daegu, com testagem em massa por todo o resto do país. Ninguém chega perto dos sul-coreanos neste assunto. Imensos postos de teste drive-thru foram montados em todo o país. Agora, também há testes por orelhão. O paciente não precisa ter contato com terceiros e recebe o resultado direto no celular após poucas horas. Quando alguém testa positivo, o governo usa sistemas de localização dos celulares para obrigar todos que estiveram a pelo menos 100 metros de distância do infectado. Quem testa positivo também precisa manter o celular ligado para que o governo verifique se o cidadão cumpre a quarentena.
Hong Kong e Coreia do Sul estão entre as nações que mais aparecem como destaque positivo no noticiário internacional. Mas o sucesso dependeu de intenso planejamento. Ninguém subestimou a “gripezinha” da Covid-19.
Como deixou claro o biólogo Atila Iamarino em sua entrevista no Roda Viva, o que nos falta para viabilizar um isolamento menos radical é justamente um plano. No máximo, temos notícias esparsas sobre chegadas de novos testes, construção de hospitais de campanha e compra de respiradores. O cidadão quer saber quando vai poder sair de casa e o que o governo pretende fazer para transformar seu discurso em prática.
Só há um agente político capaz de liderar esse plano: Jair Messias Bolsonaro. Só o presidente da República tem um orçamento trilionário, um corpo diplomático com centenas de pessoas treinadas para negociar com outros países e a capacidade de articular os esforços dos governadores e prefeitos em nome de um bem maior.
A população brasileira, por outro lado, não vê um plano no horizonte de Bolsonaro. Segundo pesquisa recente divulgada pelo jornal Valor Econômico, 28% dos brasileiros aprovam a atuação do presidente na pandemia, enquanto 50% desaprovam e 22% não tem opinião formada. No caso dos governadores, 70% da população aprova o trabalho realizado até aqui, 19% desaprova e 11% não emite opinião.
Ao invés de criar conflitos e jogar a crise econômica no colo dos outros, Bolsonaro precisa liderar, pois foi eleito para isso. Pois bem, presidente: qual é o plano? Quais epidemiologistas orientam o governo? Qual será a estratégia para testagem em massa? Quando os novos leitos de UTI estarão prontos para uso, com capacidade para aguentar novos picos de transmissão da Covid-19?
Todas estas perguntas seguem em aberto. Bolsonaro precisa usar os generais ao seu redor e comunicar uma estratégia da forma mais clara possível. Caso contrário, o custo da inação será expressão em milhares de vidas brasileiras — ou, como já é cada vez mais discutido em Brasília, num possível impeachment do presidente da República. Caso a situação se agrave, não adianta gritar “golpe”.
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