Presidente Jair Bolsonaro deveria estar elaborando plano de combate ao coronavírus. Em vez disso, ele prefere criar conflitos e jogar a crise econômica no colo dos outros.| Foto: Marcos Correa/PR
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É curioso notar que o governo mais militarizado da Nova República passa pelo seu pior momento durante uma crise que exige, principalmente, planejamento militar. Não me refiro a munição, fuzil e tanques. O Brasil precisa, antes de tudo, de um plano de ação imediata, exatamente aquilo que os generais são treinados para fazer.

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Numa guerra, as Forças Armadas não agem somente com armas. Planos são ainda mais importantes. Na guerra atual, é preciso articular o conhecimento de virologistas, epidemiologistas, intensivistas, economistas, industriais e outros profissionais, de modo a viabilizar um planejamento logístico que indique qual caminho devemos seguir.

Muita gente dedicou os últimos dias para discutir a tese do “isolamento vertical” — em contraposição ao “isolamento horizontal” —, cuja ideia é restringir a quarentena aos grupos de risco.

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De fato, o custo econômico do isolamento horizontal é altíssimo. Fome, desemprego e falência são ameaças reais a muitos brasileiros. Mesmo que políticas públicas aliviem a dor, elas dificilmente serão rápidas o suficiente. A renda básica emergencial, recém-aprovada, surgiu após quase 10 dias de paralisação da economia.

Mas há um problema: para relaxar o isolamento horizontal, precisamos de um plano. Qual é o nosso? Quando a quarentena será relaxada? Quais os planos do governo para evitar novas paralisações, caso as ocorrências de Covid-19 sigam crescendo descontroladamente? O que nós vamos fazer para achatar a curva? A maioria dos brasileiros não faz ideia. Está cada vez mais evidente que a quarentena não vai acabar cedo.

Alguns países conseguiram manter parte da economia aberta. É o caso da brava Hong Kong, que interrompeu sua luta por independência em nome de um bem maior. O cidadão honcoguês pode checar, num site do governo, tudo o que é necessário para evitar o vírus. Todos os infectados de Hong Kong aparecem num mapa geolocalizado, que mostram os bairros onde há maior incidência do vírus. Quando alguém é internado, o governo informa qual é o hospital, de modo que todos podem evitar os mais lotados e tratar outras doenças nos locais onde não há infectados por Covid-19. O site informa também o método de contaminação — se o vírus foi contraído em Hong Kong ou território estrangeiro —, uma informação útil para saber por onde é seguro andar.

Também na Ásia, há o exemplo sul-coreano. Calejada por epidemias anteriores, a Coreia do Sul está preocupada com o novo coronavírus desde janeiro. Os primeiros 30 pacientes infectados foram identificados imediatamente no momento em que entraram no país. A paciente 31, missionária de uma igreja local, foi a primeira a passar despercebida e iniciou o surto de transmissão comunitária em Daegu, em meio a cultos com milhares de pessoas.

Para controlar o problema, a Coreia iniciou a fase dois: quarentena severa em Daegu, com testagem em massa por todo o resto do país. Ninguém chega perto dos sul-coreanos neste assunto. Imensos postos de teste drive-thru foram montados em todo o país. Agora, também há testes por orelhão. O paciente não precisa ter contato com terceiros e recebe o resultado direto no celular após poucas horas. Quando alguém testa positivo, o governo usa sistemas de localização dos celulares para obrigar todos que estiveram a pelo menos 100 metros de distância do infectado. Quem testa positivo também precisa manter o celular ligado para que o governo verifique se o cidadão cumpre a quarentena.

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Hong Kong e Coreia do Sul estão entre as nações que mais aparecem como destaque positivo no noticiário internacional. Mas o sucesso dependeu de intenso planejamento. Ninguém subestimou a “gripezinha” da Covid-19.

Como deixou claro o biólogo Atila Iamarino em sua entrevista no Roda Viva, o que nos falta para viabilizar um isolamento menos radical é justamente um plano. No máximo, temos notícias esparsas sobre chegadas de novos testes, construção de hospitais de campanha e compra de respiradores. O cidadão quer saber quando vai poder sair de casa e o que o governo pretende fazer para transformar seu discurso em prática.

Só há um agente político capaz de liderar esse plano: Jair Messias Bolsonaro. Só o presidente da República tem um orçamento trilionário, um corpo diplomático com centenas de pessoas treinadas para negociar com outros países e a capacidade de articular os esforços dos governadores e prefeitos em nome de um bem maior.

A população brasileira, por outro lado, não vê um plano no horizonte de Bolsonaro. Segundo pesquisa recente divulgada pelo jornal Valor Econômico, 28% dos brasileiros aprovam a atuação do presidente na pandemia, enquanto 50% desaprovam e 22% não tem opinião formada. No caso dos governadores, 70% da população aprova o trabalho realizado até aqui, 19% desaprova e 11% não emite opinião.

Ao invés de criar conflitos e jogar a crise econômica no colo dos outros, Bolsonaro precisa liderar, pois foi eleito para isso. Pois bem, presidente: qual é o plano? Quais epidemiologistas orientam o governo? Qual será a estratégia para testagem em massa? Quando os novos leitos de UTI estarão prontos para uso, com capacidade para aguentar novos picos de transmissão da Covid-19?

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Todas estas perguntas seguem em aberto. Bolsonaro precisa usar os generais ao seu redor e comunicar uma estratégia da forma mais clara possível. Caso contrário, o custo da inação será expressão em milhares de vidas brasileiras — ou, como já é cada vez mais discutido em Brasília, num possível impeachment do presidente da República. Caso a situação se agrave, não adianta gritar “golpe”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]