Não é fácil escrever este texto. Imagino, por exemplo, a situação de quem tinha um bom salário há alguns anos, foi demitido e só sobreviveu a duas crises econômicas colossais porque trabalhou como motorista no Uber. Ou o caminhoneiro que se endividou naquele distante período em que a economia crescia por aqui. Estes e muitos outros brasileiros estão desesperados com os preços dos combustíveis, cada vez maiores. Daí vem a dificuldade de escrever esse texto: quase toda a política brasileira promete que o problema tem uma solução simples e meu argumento é justamente que essas soluções simples não existem.
Sei que falar em “quase toda a política brasileira” soa como exagero, mas Lula, Ciro e Bolsonaro lideram grupos políticos que, nas eleições de 2018, tiveram quase 90% dos votos no primeiro turno. Os três vendem ilusões irresponsáveis para um eleitor desesperado. A mesma crítica cabe ao PSOL, a alguns políticos tucanos e ao bloco de parlamentares liderado por Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara. Devo estar esquecendo mais alguém.
Bolsonaro e Lira propõem segurar o preço da gasolina com a redução de impostos. Em especial, fala-se do ICMS, um imposto estadual, o que leva a um conflito com governadores como João Doria. Eduardo Leite tem aproveitado a polêmica para ressaltar que já reduziu o ICMS da gasolina, revertendo aumentos de gestões anteriores, tal como prometido em campanha.
Em bom português, a ideia é beneficiar o pagador de impostos que consome muita gasolina e jogar a conta pro pagador de impostos que consome pouca gasolina. Além do mais, a medida apenas repete um erro antigo da política brasileira, contrariando o liberalismo econômico que Paulo Guedes diz defender. Foi exatamente assim, alterando a estrutura tributária para atender preocupações de curto prazo do eleitor, que o Brasil construiu um dos piores sistemas tributários do mundo.
Lula, Ciro e PSOL, por sua vez, criticam a política de preços da Petrobras. Defendem que a Petrobras deve vender gasolina barata, ignorando variações na cotação internacional do petróleo. Na prática, o efeito é o mesmo da proposta de Bolsonaro: beneficia o pagador de impostos que consome muita gasolina e joga a conta pro pagador de impostos que consome pouca gasolina.
Este fato costuma ser escondido com base num populismo barato contra os “acionistas da Petrobras”, ignorando que o maior desses acionistas é o Estado brasileiro. Quando a ação cai, o patrimônio público se desvaloriza. Quando a Petrobras lucra menos, o governo recebe menos dividendos. Mesmo entre os acionistas privados, há também fundos de pensão que cuidam da aposentadoria de brasileiros comuns.
Mas, mesmo se não fosse este o caso, quem disse que a Petrobras deve tomar decisões contrárias ao interesse dos acionistas minoritários para atender ao acionista majoritário? Se um grande bilionário fizesse o mesmo em sua empresa, todos perceberiam a óbvia injustiça. O abuso de poder econômico deixa de ser abusivo quando liderado pelo Estado?
A situação fica ainda pior por conta da contradição entre o subsídio à gasolina e a preocupação ambiental que esses políticos dizem ter. Nos próximos anos, o Estado inevitavelmente vai desincentivar o consumo para cumprir compromissos climáticos. Para agradar o eleitor, políticos que juram entender a importância deste processo decidem seguir no caminho oposto.
Não estou defendendo que nada deve ser feito. Com um pouco de estabilidade política, o dólar poderia cair, trazendo o preço da gasolina na mesma direção. Sequer argumento contra políticas públicas para ajudar quem está quebrando com o aumento de preços. O problema está na crença de que uma gambiarra conseguirá evitar custos inevitáveis.
Na pior das hipóteses, a gambiarra vai esconder esse custo. Uma política pública minimamente séria deveria entrar no orçamento, dando ao público clareza sobre os custos, além de permitir uma melhor avaliação de impacto e facilitar um desenho inteligente para esse programa.
Em suma, o Estado não precisa consumir recursos para atenuar o problema e, mesmo que este seja o caminho escolhido, a transparência é o melhor caminho. Se a polêmica em torno da gasolina fosse um teste de populismo, quase toda a política brasileira seria reprovada por colocar o interesse eleitoral acima do interesse público.
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