A discussão de políticas públicas precisa voltar à pauta em 2021| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Poucos problemas na imprensa brasileira são mais graves do que a pouca atenção dada à política pública, em comparação com um espaço excessivo dedicado à política partidária. Ou ao que é ainda pior: à política tribal, que pouco faz além de urrar sobre pecados de adversários. Em 2020, o problema se agravou. Cada vez mais, o debate público é dominado por tribos que se excitam com o cheiro de sangue. Não à toa, foi o ano do cancelamento e da polarização.

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Talvez o leitor tenha reparado que, desde a estreia aqui na Gazeta em 2018, parte relevante das minhas colunas discutiram projetos de lei ou de emenda à Constituição. Não me refiro apenas à reforma da previdência, tema central das discussões sobre política pública no Brasil até 2019.

O novo marco regulatório do saneamento, regulamentado em decreto no última dia 24/12, foi tema de diversas colunas desde que era uma MP proposta pelo governo Temer – muito me orgulha saber que fui um dos primeiros a destacar a importância do assunto. A reforma tributária, especialmente a PEC 45 (a “reforma do Bernard Appy” nas bolhas de economistas, ou “reforma da Câmara” nas bolhas de jornalistas), tem sido a minha obsessão mais recente.

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É claro que a política pública é muito mais chata do que as políticas partidária e tribal, arenas repletas de figuras odiáveis e ridículas, prontas para serem odiadas e ridicularizadas por tribos adversárias. Alardear os defeitos de gente como Felipe Neto e Carlos Bolsonaro gera emoções fortes no leitor, como raiva e revolta ao ver tanta gente pouco virtuosa ocupando posições de influência no debate público. Mas também alimentam sensações boas, como o viés de confirmação e a sensação de superioridade derivados da mera observação de gente estúpida com ideias diferentes das nossas.

Todo esse espetáculo de baixaria é muito divertido e pouco produtivo para o país. No lugar de uma política cada vez mais parecida com os programas de entretenimento do SBT nos anos 1990, o Brasil precisa de mais construção e menos destruição. Não nos falta raiva ou revolta, nem faltam justiceiros interessados em revalidar as próprias ideias e arrotar superioridade.

Para superarmos esse ambiente no ano que vem, me resta desejar que 2021 seja destaque por assuntos, por negociações pragmáticas que decepcionem os histéricos de todas as tribos. Que seja um ano com mais publicações relevantes no Diário Oficial do que competições de hashtags nos trending topics do Twitter. Nenhum brasileiro perderia caso esse cenário se concretizasse. Nenhuma facção do espectro ideológico teria motivos para reclamar de instituições políticas pragmáticas e produtivas.

Tomemos o já citado caso da reforma tributária. Não é difícil chegar a acordos, caso exista um real interesse sobre um assunto. Paulo Guedes e Marcelo Freixo concordam com os princípios da PEC 45 – substituição de impostos vigentes por um novo IVA, com alíquota única e legislação simplificada. Paulo Guedes e Marcelo Freixo concordam que, em seguida, é preciso reformar a tributação da renda para desonerar a tributação da produção/consumo.

E os dois também concordam que não faz sentido que o trabalhador CLT sejam mais tributado do que os famigerados “pejotinhas”. É evidente que Guedes e Freixo discordam em todo tipo de detalhes. Mas há convergências, e o liberalismo político está aí para isso, para fazer divergentes convergirem, contribuindo para um ambiente de paz, liberdade e progresso.

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Uma convergência beneficiaria o governo Bolsonaro, ao melhorar o cenário econômico. Beneficiaria a esquerda – ou, ao menos, as ideias de esquerda – ao derrubar absurdos que favorecem a desigualdade no Brasil. O tribalismo impede o avanço dessas negociações.

Para criar um ambiente político construtivo e consequente, não basta exigir mudanças do presidente Bolsonaro e do bolsonarismo que o cerca. Esta é uma condição necessária, mas não suficiente. Repórteres precisam noticiar aquilo que realmente importa para o cidadão, e não a última fofoca que mobilizou irrelevantes cinco mil pessoas no Twitter. Colunistas precisam resistir à tentação dos temas fáceis e lembrar daquilo que é chato.

A esquerda, por sua vez, precisa de mudanças profundas que hoje parecem improváveis – basta observar o comportamento das bancadas de PT, PDT e PSOL para notar que diálogo não é o forte dessa turma. Muitos grupos que hoje estão confortáveis em culpar Bolsonaro por todos os problemas nacionais precisam admitir a própria culpa no emporcalhamento do debate público.

Talvez seja utópico esperar que as lideranças de partidos e redações coloquem suas vaidades e estratégias comerciais de lado em nome de uma construção nacional. Infelizmente, num país guiado pelo liberalismo político, a via do progresso é pavimentada por negociações em torno de assuntos chatos. Qualquer outra opção, por melhor que nos pareça à primeira vista, é apenas um disfarce para a barbárie.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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