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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Internet

Precisamos cancelar os canceladores

Três meses antes das eleições prefeitos que pretendem se reeleger não podem fazer propaganda institucional via redes sociais das prefeituras. Mas podem continuar informando a população sobre a pandemia da Covid-19.
(Foto: Pixabay)

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Se todas as pessoas que se dizem contra a cultura do cancelamento realmente contribuíssem com um debate público melhor, o problema nem sequer existiria. Infelizmente, somos hipócritas, uns mais do que outros. Com um debate público cada vez mais violento, aquele de quem discordamos vira inimigo. E inimigo não tem perdão: merece execração pública e nada mais. Quando os inimigos do nosso amigo repetem a atitude, surge a preocupação oportunista com a cultura do cancelamento.

Não sei quando começou, mas sei que a desumanização da divergência é valorizada pelo usuário médio das redes sociais. Tenho prestado cada vez mais atenção no tipo de conteúdo capaz de viralizar. Escrever que a neutralidade tributária deveria ser um princípio basilar de qualquer reforma não atrai muita atenção. Mais fácil viralizar escrevendo que alguém é imbecil por ignorar o princípio da neutralidade tributária.

Na sua recente e já famosa carta de demissão, Bari Weiss, ex-editora do New York Times, diz que o Twitter não está no cabeçalho do jornal, mas é o seu verdadeiro editor final. Das pautas ao estilo de redação, tudo é milimetricamente calculado para viralizar em redes movidas a ódio. O jornalismo se preocupa cada vez mais com pessoas. Quando ideias se esgueiram para conquistar um espaço, a abordagem é moldada pelo conflito. Quem discorda e quem concorda é mais importante do que o assunto concretamente discutido.

Um diagnóstico que apenas diferencie o jornalismo profissional da barbárie que norteia as redes invariavelmente esquece desse detalhe: os jornalistas profissionais são cada vez mais guiados pelo revoltado médio que habita as redes sociais. Afinal, os veículos precisam de assinantes, doadores, compartilhadores e retuitadores, que cada vez mais estabelecem a própria dieta de informação com base na identidade ideológica da fontes.

Um debate público racional e construtivo precisa do exato oposto. Repórteres, colunistas e editores precisam atuar num espaço onde até mesmo o erro é compreendido, para que possam tomar riscos. Até o erro é útil, pois permite que a ideia errada seja confrontada com a verdade. Quando o veículo que você assina publica um texto desagradável, o leitor precisa considerar a importância do desagrado. Ler aquilo que conforta nossos preconceitos ideológicos é o caminho mais curto para a burrice.

Ao juntar o engajamento odioso com a economia de caracteres, o Twitter traz uma particularidade: o uso de palavras fortes é incentivado na rede. Discutir as ideias complexas do outro exige uma thread. Uma thread exige paciência e expõe seu autor à possibilidade de erro, punido com severidade crescente. É melhor condensar tudo em 280 carácteres – especialmente se o oponente estiver noutra tribo ideológica, aquela turma que não merece respeito.

Cada vez mais, tenho pensado que não há saída para o problema que não passe por uma reeducação coletiva sobre o modo de discutir ideias nas redes. Entender a importância da discordância pacífica e do foco nas ideias é o único caminho com destino à racionalidade. Isto só vai acontecer no dia que o público passar a valorizar o produtor de conteúdo que realmente tem conteúdo, e não só um vasto cardápio de xingamentos travestidos de argumentos.

Inversamente, é preciso cancelar os canceladores. Aquele que divulga uma ideia ruim deve ser tolerado e combatido exclusivamente no campo das ideias. O desrespeito pessoal deveria ser reservado àquele que transforma o debate em ringue, ofendendo terceiros e subindo o tom desnecessariamente.

Mais do que discutir os cancelados, precisamos discutir também os canceladores. E não me refiro apenas a quem participa de campanhas pedindo a cabeça de alguém. O cancelador é aquele que busca cancelar a humanidade alheia, tratando a discordância como falha moral. Quem abusa do tom agressivo em nome de likes precisa ser identificado, repreendido e, em caso de persistência no erro, denunciado como alguém que deixa o país mais burro.

A própria disposição em atacar, ao invés de argumentar, precisa ser identificada e repudiada. Eis uma atitude particular difícil, pois envolve respeitar os defensores de ideias que consideramos ruins. Mas, além de difícil, é uma atitude necessária.

É fácil responder ao esgarçamento da democracia culpando os burrinhos que votaram naquele partido autoritário que odiamos. Difícil é admitir que nós mesmos contribuímos para a ascensão de autoritários quando substituímos a razão pela grosseria.

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