Minha geração deve desculpas aos tiozões politizados, os do zap. Nos últimos anos, tentamos fazer crer que ele é o grande mal da política em nosso tempo. Mas os inimigos do debate público e da democracia não se restringem à extrema-direita de meia idade. Não dá para discutir o assunto a sério sem descrever outra personagem: o sobrinho do zap, alter ego à esquerda do tiozão.
Muitos lembram das fake news que viralizaram no WhatsApp durante as eleições de 2018, mas estranhamente esquecem da suástica desenhada com estilete na pele de uma jovem gaúcha. O caso teve repercussão em todo o país, com grande destaque midiático. Depois, descobriu-se que era uma denúncia falsa. A falsa vítima se mutilou para inventar um ataque nazista.
Na política brasileira, a mentira não se restringe ao zap de tiozões reaças. Nas eleições de 2014, crise era papo de Pessimildo. No impeachment, “FHC também pedalou”. Pouco depois, “Temer legalizou as pedaladas”. Tudo mentira. Nos debates sobre teto de gastos, reforma trabalhista e reforma da previdência, a pós-verdade rolou solta. Sobrou político negando o déficit previdenciário e comparando dezembro com março para dizer que a reforma trabalhista destruiu empregos.
A polarização entre sobrinhos e tiozões do zap
O comportamento de um sobrinho do zap é muito parecido com o do tiozão. Mas os marcadores tribais que eles utilizam são bastante diferentes. Isto porque o sobrinho tem pavor de ser confundido com o tiozão, e vice-versa. Eles se odeiam. A todo tempo, ambos fazem questão de identificar a tribo que integram, seja com emojis de pistola ou gifs da Gretchen.
Se você não usa os mesmos marcadores tribais que eles, deduz-se que é um inimigo. Petista ou comunista, num caso. Racista, fascista, machista ou homofóbico, no outro. A cada uso genérico, essas palavras vão perdendo o sentido, pois são utilizadas como sinônimo de “ele não está no meu grupo”.
Assim surgem também os fatos alternativos. O próprio julgamento do que é verdade se submete ao grupo que cada um integra. Compartilha-se qualquer manchete como verdade fundamental, desde que ela esteja de acordo com a narrativa previamente assumida.
Acima de tudo, tiozão e sobrinhos são grosseiros. Eles ficam bravos se encontram um infiel pelo caminho. Pensam que a gentileza só é devida àqueles com quem concordam.
O sobrinho costuma ser mais jovem que o tiozão, mas nem sempre isso acontece. Muitos artistas, jornalistas ou servidores públicos são sobrinhos do zap com mais de 50 anos. Da mesma forma, existem diversos tiozões do zap sem tanta idade entre policiais, financistas e caminhoneiros.
Esta polarização profissional torna ainda mais importante a distinção entre os dois. Em termos de identificação tribal, não existem muitos tiozões do zap nas redações de grandes jornais. Sobrinhos, por outro lado, existem aos montes.
Parcelas relevantes da imprensa tradicional integram o problema da pós-verdade, apesar de se venderem como solução. Por sinal, todas as informações falsas no terceiro parágrafo deste texto foram endossadas por alguma reportagem da grande imprensa.
Não dá para defender a ciência marchando ao lado de quem nega o déficit previdenciário. Não dá para defender a democracia ao lado de quem quer desenhar suástica na testa de liberais, como Marcelo D2. Não dá para combater o conspiracionismo ao lado de lulistas.
Antes de jogarmos todos os problemas do mundo nas costas do tiozão, precisamos conversar sobre o sobrinho. Apesar de divergirem na estética, ambos convergem na ética. Enquanto o sobrinho do zap for ignorado, será impossível superar a miséria que domina o debate público brasileiro.
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