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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Economia

Uma reforma do Estado brasileiro, por Paulo Guedes

Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vão ao Congresso nesta terça-feira
Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vão ao Congresso nesta terça-feira (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

As próximas semanas serão as mais decisivas para Paulo Guedes desde que ele assumiu o Ministério da Economia. Com a reforma da Previdência aprovada, o Brasil evitou a insolvência do Estado. Ainda é suficiente para satisfazer o desejo dos brasileiros. Nossos problemas são bem mais profundos.

Desde 1980, a renda per capita do Brasil cresceu apenas 0,88% ao ano, em média, segundo dados do Banco Mundial. Ao invés de convergir para o nível de desenvolvimento dos países-ricos, como seria esperado para uma economia emergente, nos distanciamos deles. Ainda há pobreza abjeta no Brasil, os serviços públicos não funcionam, inocentes morrem violentamente às dezenas de milhares, e crianças bebem água com cocô.

A solvência do Estado é crucial para a redução estrutural da taxa de juros, que permite maior crescimento por alguns anos. Mas o que o governo costuma prometer, usando palavras de Tarcísio de Freitas, é “garantir que esta não será uma geração perdida”. Os problemas de longo prazo da economia brasileira são muito mais profundos.

Se tudo ocorrer como planejado, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro devem entrar nesta terça no Congresso Nacional com um robusto conjunto de medidas que alteram o modo como o dinheiro público é gasto e arrecadado, assim como a gestão pública de recursos humano. É provável que, neste momento, algumas pessoas estejam no Ministério da Economia finalizando os textos. Escrever na segunda sobre algo que o governo pretende entregar na terça abre certa margem para erros, que vale a pena dada a importância do assunto e o que já foi anunciado.

Os projetos que serão entregues por Paulo Guedes nesta terça-feira são, em essência, reformas do Estado. Formam um primeiro passo de uma agenda reformista que as instituições nacionais precisam sustentar por décadas, em diversos governos, caso queiram cumprir as expectativas da população.

A direção é boa. Ainda melhor porque o diretor geral, o ministro da economia, parece disposto a dialogar com os outros poderes. Em entrevista à Folha de São Paulo, Guedes disse que “houve uma mudança na articulação, se instalou uma vontade de construir, veio espaço político para conversar”. O ministro sempre teve muitas vagas ideias sobre o assunto. Agora, apareceram duas novidades: concretude e pragmatismo.

Um dos sinais está na proposta de desvinculação dos gastos com saúde e educação. Hoje, todos os entes federativos precisam gastar certo percentual da receita corrente líquida nessas áreas. Em geral, vincula-se 25% a educação e 15% a saúde.

Num país continental, os municípios tem estruturas etárias muito distintas. Uns tem muitos jovens e podem querer gastar mais em educação. Outros, com mais idosos, podem preferir a saúde.

Anteriormente, Guedes falava em eliminar essas vinculações. Ou “ devolver o poder de gestão aos políticos”, como ele prefere colocar. A rigidez orçamentária dificulta a situação fiscal calamitosa dos estados e municípios. Vendo que a proposta dificilmente passaria, recuou encontrando um bom meio termo: somar as duas vinculações e dar ao gestor a capacidade de escolher entre saúde e educação.

Muitas medidas devem vir nesta mesma linha, diminuindo a rigidez e as vinculações do orçamento. A extinção de fundos públicos está na agenda de Guedes. Em substituição as mais de 280 atualmente existentes, o ministro quer liberar essa verba e concentrar esforços em dois novos fundos: o Fundo de Reconstrução Nacional deve cuidar da infraestrutura; outro, de nome não divulgado, deve focar no combate a pobreza.

Outro pilar, chamado de Plano Mansueto, trata da saúde financeira de estados e municípios. Politicamente, é o mais sensível. Os últimos anos escancararam os incentivos tortos aos quais governadores e prefeitos estão submetidos. Haverá demanda, portanto, por um “trem da alegria”, um pacote de bondades. É crucial que, nos próximos meses, toda transferência de recursos federais aos entes subnacionais esteja vinculada a reformas que não permitam uma nova onda de irresponsabilidade fiscal. A reforma só será positiva se não for usada para aumentar gastos obrigatórios, especialmente a já inchada folha de servidores.

O Plano Mansueto serve para a contenção de emergências. Na reforma administrativa, que rege a gestão de RH do Estado brasileiro, está a grande esperança no longo prazo dos estados e municípios. Afinal, quase 90% dos servidores públicos estão fora da esfera federal.

O fim da estabilidade para novos funcionários deve entrar em pauta. Ainda não está claro qual será a governança do novo regime jurídico dos servidores. É importante que existam avaliadores independentes do processo político-partidário – esse é assunto de Estado, não de governo. De todo modo, são meritórias as iniciativas que tentem vincular progressão de carreira e remuneração à avaliação de desempenho.

Há ainda uma proposta de reforma tributária. Sigo insistindo, como já fiz noutras colunas, que aí reside um erro fatal da gestão Guedes: não ter abraçado a excelente PEC 45, formulada pelo economista Bernard Appy em parceria com juristas da FGV paulista. O ministro diz que a proposta é boa até demais, e por isso não passa pelo Congresso. Rodrigo Maia e a maioria dos governadores, contrariando Guedes, já apoiam o projeto.

A PEC 45 é revolucionária, no bom sentido, por um motivo simples: todo bem ou serviço produzido no Brasil pagaria a mesma alíquota, acabando com as piores distorções do pior sistema tributário do planeta. Mostraria que o Brasil respeita um dos princípios de boa tributação mais citados pelos economistas: a neutralidade, que permite decisões de produção baseadas no mercado, e não na legislação tributária.

Não está claro até que ponto a reforma tributária de Guedes deriva de preferência técnica. Os maus argumentos sugerem que há política nessa postura incompreensível. Recentemente, ele defendeu a guerra fiscal do ICMS em seus moldes atuais e a adoção de uma super-CPMF.

A agenda é longa. Em política pública, o diabo está sempre nos detalhes. Dificilmente será minha última coluna sobre o assunto, que deve pautar a imprensa por muitos meses. Mas é excelente que esse debate tenha sido aberto.

Paulo Guedes gosta de provocar seus antecessores no cargo, que seriam “social democratas”. Liberal mesmo seria ele. Com a reforma da previdência, o ministro evitou a insolvência fiscal – mas, nesta tarefa, seus feitos são pequenos em comparação ao que fizeram “social democratas” os responsáveis pelo Plano Real e do tripé macroeconômico. Se Guedes quiser se diferenciar, como promete, precisa ter grande sucesso na aprovação desses projetos. Nesta semana, o ministro começa o período mais decisivo da sua gestão. Nas próximas, começaremos a descobrir o que estará nos livros de história.

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