Escrevi sobre a reforma tributária na semana passada e muitos dos comentários (sim, sempre leio vocês com atenção, inclusive os xingamentos) faziam a mesma pergunta: e a carga tributária?
No texto, elogiei a proposta que tramita na Câmara por simplificar, desburocratizar e, o que considero mais importante, mudar o processo de tomada de decisão do empreendedor brasileiro. A inovação, a criação de riqueza, se dá principalmente quando a oferta tenta entender melhor a demanda, quando o empresário observa seus custos e clientes até descobrir como pode melhorar. A minha última coluna argumentava que o maior defeito do sistema tributário brasileiro é tornar a burocracia tributária protagonista na atividade empreendedora, tirando o foco dos empresários.
Meu argumento é, essencialmente, liberal. Daí vir a dúvida comum: por que excluí a diminuição de impostos (e do Estado) da coluna? Acho que há bons motivos para isso. Tão bons que a coluna seguinte, esta, é sobre o assunto.
Na minha opinião, o Estado brasileiro deveria ser menor e, consequentemente, cobrar menos impostos. Acho que muitos leitores compartilham desta opinião. O problema é que, pelo atual contexto do país, os menores impostos beneficiam o Brasil se vierem após imensos cortes de gastos.
Até Dilma diminuiu impostos. A irresponsabilidade fiscal dos anos petistas aparece mais no lado da receita do que na despesa. Se o governo corta impostos sem cortar gastos, o tributo a menos no presente vira um tributo a mais no futuro, através dos juros ou da dívida pública. A outra opção é a inflação, que é só um imposto disfarçado. Ou seja: só é possível fugir dos impostos diminuindo o Estado.
Os erros da era dilmista também remetem a outro problema de alguns cortes de impostos: ao conceder desonerações a setores escolhidos a dedo, Dilma complexificou o sistema tributário, distorceu incentivos, criou insegurança jurídica e arrecadou caixa dois para o PT. Cortes de impostos, quando feitos desta forma isolada, podem até prejudicar a economia de mercado.
A situação fiscal é um obstáculo de curto prazo para a redução da carga tributária. Há ainda um obstáculo de longo prazo, ainda mais sério: a sociedade brasileira não parece disposta a votar em menos Estado.
Toda a guerra da reforma da Previdência, tão dura, foi para desacelerar o aumento das despesas públicas, na comparação com um cenário sem reformas. Ou seja, a reforma da Previdência não diminui o Estado, apenas diminui a velocidade de crescimento dos gastos públicos.
O brasileiro pode até votar numa agenda pró-mercado com privatizações e ajuste fiscal, como fez em 1994, 1998 e 2018. Mas isso não implica necessariamente em diminuição da carga tributária. Para uma substancial redução dos impostos, seria preciso revisar boa parte da Constituição de 1988, o SUS, o sistema educacional, implantar novas regras ainda mais duras para a Previdência, e até os anarcocapitalistas devem saber que esse tipo de agenda não é popular no Brasil.
Até o momento, o pessoal que ficou bravo com o último texto deve estar ainda mais bravo. Mas peço que, por favor, me acompanhe até o final e vão entender onde quero chegar. Até o momento, argumentei apenas que a diminuição da carga tributária, no atual contexto brasileiro, é fiscalmente irresponsável e politicamente inviável.
A boa notícia, porém, é que esta talvez nem seja a parte mais importante da agenda liberal. Dela, decorre uma notícia ainda melhor para os liberais: a parte mais importante da agenda pró-mercado é fiscalmente necessária e politicamente viável.
A agenda central: um choque de mercado no Brasil
Talvez você já tenha se deparado com os índices de liberdade econômica por aí. Os maiores são organizados por think tanks conservadores ou liberais. Esses índices usam dados públicos para avaliar quanta liberdade os cidadãos de um país tem para trocar bens com o mundo, criar empresas, acessar o mercado financeiro, dentre outras dimensões do capitalismo.
Assim, chega-se a um índice de 0 a 100. Quanto mais perto de 100, mais liberal a economia do país. No gráfico abaixo, o eixo horizontal mostra a nota de cada país no índice de liberdade econômica e o vertical mostra o PIB per capita de cada país. É fácil notar a correlação positiva: quanto mais liberal a economia de um país, mais rico ele é.
Um aspecto interessante do índice é que ele vem subdividido em diversos indicadores. E o mesmo padrão se repete em quase todos: quanto mais livre é a economia do país, mais rico ele é. Vale para a liberdade de fazer negócios, do mercado financeiro ou das leis trabalhistas. Vale também para a liberdade para fazer negócios, representada no gráfico abaixo. Em gera, o indicador mede a facilidade para abrir e fechar empresas, burocracia, incerteza jurídica e outros fatores.
Em dois indicadores, porém, a liberdade econômica não é proporcional ao PIB per capita dos países: tamanho do Estado e carga tributária. Isto porque muitos países ricos e europeus, com largas populações idosas, tem grande Estado com alta carga tributária. No gráfico abaixo, a correlação é inversa: quanto mais pesados os tributos, maior o PIB per capita.
Vale adicionar que o gráfico do tamanho do Estado mostraria uma correlação ainda mais negativa do que esta abaixo.
É claro que correlação não significa causalidade. Aumento de impostos, e do Estado, não causam riqueza – ou, no mínimo, seria preciso de mais do que um gráfico para concluir isso. Mas o padrão indica outra coisa: a liberdade econômica tem dimensões tão ou mais relevantes do que a carga tributária.
Há países ricos com altos impostos e Estado grande. O que não existe é país rico sem respeito aos contratos, aos negócios e à liberdade de comercializar. Inversamente, a liberdade para investir, produzir e receber os frutos da empreitada de maneira justa e honesta precisa de muito mais do que um Estado enxuto.
E aí vem a boa notícia para os liberais, assim como para os conservadores que defendem uma agenda econômica pró-mercado. Se a diminuição do Estado e da carga tributária é politicamente inviável e fiscalmente indesejável no Brasil do curto prazo, todo esse “resto” essencial da agenda reformista é politicamente viável e fiscalmente desejável.
Neste caso, é possível alcançar avanços com a MP da Liberdade Econômica, a desburocratização da economia, com maior concorrência no setor financeiro e impostos mais simples. No mesmo sentido, vale citar a abertura da economia e a flexibilização trabalhista.
Todas as propostas acima soam melhor ao ouvido do eleitor brasileiro do que cortes no SUS e regras ainda mais duras na Previdência. Além disso, são medidas que podem ajudar a aquecer a economia num médio prazo, ajudando a questão fiscal e, quem sabe, viabilizar uma discussão saudável sobre redução da carga tributária.
É preciso ter inteligência e estratégia nas reformas. Priorizar aquilo que é mais urgente, sabendo que o capital político de todo governo é escasso. Não faltam setores que precisam apenas de um choque de capitalismo e concorrência para decolar. Eis um desafio que exige mudanças em regulações atrasadas e um ambiente de negócios propício para quem quer produzir honestamente. Tudo isto é menos sexy do que cortar impostos, mas certamente é mais importante para quem quer desenvolver o Brasil de 2019 sem quebrar as contas públicas.