República do Congo, Bolívia, República Centro-Americana, Chade, Venezuela e Somália. Esses 6 países, e nenhum outro, tem um sistema tributário pior que o do Brasil no ranking Doing Business, do Banco Mundial. É a nossa pior classificação. Mesmo nesse G6 da vergonha, nenhum país exige mais horas de trabalho para que se entenda como os impostos devem ser pagos. Somos campeões mundiais em burocracia tributária, os piores entre os piores.
Está tudo errado nesse front. Nossa carga tributária é alta e penaliza os mais pobres. Os impostos brasileiros desagradam capital e trabalho, sem preconceito ideológico. Pior: esse atraso nos condiciona a mais atraso. No Brasil, barganhar uma tributação especial junto ao governo é mais lucrativo do que produzir mais por menos. Cada hora de trabalho navegando pela burocracia poderia ter ido para a inovação, para o preço e qualidade que chegam ao consumidor.
O problema não é de hoje e motivou Bernard Appy a buscar uma solução. Ainda no governo Lula, ele – um economista remanescente da equipe liberal de Palocci – formulou uma reforma tributária em 2008, que fracassou no Congresso. O governo Lula desistiu do projeto. Bernard Appy, não.
Ao invés de sair da Fazenda para receber um gordo salário na Faria Lima, como é comum entre seus pares, Appy fundou um think tank, o Centro de Cidadania Fiscal, para entender o que deu errado na proposta de 2008 e aprimorar o projeto. Como o problema já era insustentável, uma reforma parecia inevitável.
Em pouco tempo, o projeto de Appy se tornou o mais discutido pelos interessados no assunto. No desenho, ele buscou corrigir problemas que travaram seu projeto no governo Lula, como atritos políticos gerados junto aos governadores.
A proposta do Centro de Cidadania Fiscal, em resumo, prevê a união de cinco impostos em um. IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS se fundiriam no IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços. A proposta aproxima o Brasil do resto do mundo, onde a tributação do processo produtivo se dá por um imposto de valor agregado, o mesmo para todos setores.
Um trecho particularmente revolucionário da proposta é o que extingue os regimes especiais de tributação, responsáveis por muita burocracia e corrupção em nosso país. Com a facilidade para criação de regras especiais, fica difícil até saber qual regra se aplicada a cada empresa, e a atividade empreendedora é demasiadamente influenciada pela legislação. A proposta de Appy faz parte do que o economista Marcos Lisboa costuma chamar de “agenda republicana”, aquela que trata iguais como iguais.
Surpreendentemente, o sistema político convergiu pela proposta de Appy. Nas eleições do ano passado, todos os principais candidatos defenderam a criação de um imposto sobre valor agregado nestes moldes. Sim, leitor: a concordância unia Bolsonaro, Guedes, Haddad e o PT. Feito raro.
O governo poderia ter confirmado as expectativas da campanha, mas preferiu confiar sua reforma a Marcos Cintra, especialista respeitável e desatualizado que segue sonhando com o inviável imposto único federal. O pior erro da boa gestão de Guedes até o momento.
Felizmente, Rodrigo Maia viu a bola pingando e quis marcar. Um aliado, deputado Baleia Rossi (MDB), propôs uma PEC de conteúdo bastante similar à de Appy. A inspiração é livremente admitida. Acadêmicos e empresários já conheciam a proposta e deram apoio a ela. Sem a marca do governo, a resistência dos partidos de esquerda tem sido menor.
A CCJ da Câmara já aprovou a reforma tributária de Appy, Baleia Rossi e Maia. Sem a confusão vista nos debates da Nova Previdência, os parlamentares parlaram mais do que xingaram. O projeto está caminhando com certa celeridade.
O texto em discussão tem pontos que merecem discussão mais profunda, mas em geral é muito bom e superior às especulações de Marcos Cintra. A reforma tributária do governo nem chegou a sair do Planalto, portanto dificilmente chegará ao plenário do Congresso a tempo de derrotar a versão do Centrão. O que é bom, porque a reforma formulada por Appy foi melhorada por anos de debate da sociedade civil e é bem vista por economistas e políticos de vários partidos. Agora, o governo se vê com o calção no gramado, assistindo ao avanço de Maia e seus aliados que, depois do drible, querem comemorar o gol sozinhos em frente à TV. Bolsonaro ainda pode abraçar o projeto para tentar colar sua imagem. O importante mesmo é aprovar a reforma antes de correr para o abraço. Depois, os políticos que se digladiem pela paternidade dela. Só espero que alguém se lembre de agradecer a Bernard Appy.
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