Não é incomum ler economistas debatendo nos jornais sobre a importância da política setorial para o desenvolvimento econômico. O Estado deve priorizar uns setores, em detrimento de outros? A composição setorial (ou estrutura produtiva) importa? A indústria é mais relevante do que a agricultura no processo de desenvolvimento? Essa discussão teórica tem alguma utilidade, mas recebe um espaço desproporcional no debate econômico.
Um exemplo está no debate sobre a desindustrialização. Em 2019, a indústria de transformação teve sua menor participação no PIB (11%) desde 1995, quando se inicia a série de dados comparáveis. Alguns economistas se referem também a séries históricas não-comparáveis para afirmar que a participação da indústria de transformação no PIB está no menor nível desde 1947.
Quais as origens da desindustrialização brasileira? Quando dois economistas param para debater esse fenômeno, em geral caímos no velho tema da política setorial. Trata-se de um fruto da velha polarização entre liberais e desenvolvimentistas, ortodoxos e heterodoxos. Ao invés de prosseguir no debate das velhas divergências, o país ganha mais quando encontramos convergências. O momento exige novas pontes, ao invés de novos muros.
Segundo um estudo recente da Firjan com dados referentes a 2016, a carga tributária da indústria de transformação correspondeu a 44,8% do PIB associado a este setor. Aqui, vale a pena apertar a tecla SAP: indústria de transformação é aquela que, como indica o nome, transforma matéria-prima em bens intermediários ou finais. Já os serviços industriais de utilidade pública, como os de água e energia elétrica, tiveram carga tributária de 40,2%, segundo o mesmo estudo da Firjan.
Em contraste, o setor agropecuário e extrativo teve uma carga tributária de 6,7% do PIB setorial. Ou seja, a carga tributária da indústria de transformação corresponde a quase 8 vezes a carga do setor agropecuário e extrativo. Deste modo, a desindustrialização é praticamente uma política pública, dado o incentivo fornecido pelo sistema tributário.
Este fenômeno se reflete noutras pesquisas, como um recente levantamento da Fiesp, no qual 83% dos industriais ouvidos apontaram a tributação como maior entrave ao crescimento do setor. O segundo entrave mais citado é a burocracia, também relacionada ao manicômio tributário brasileiro.
Quando os economistas debatem políticas setoriais, a pergunta em geral é a seguinte: a composição setorial da economia deve ser determinada pelo Estado ou por mecanismos de mercado? A partir daí, vem um segundo ponto: o Estado deve praticar políticas que priorizem a indústria?
Esses debates são infrutíferos porque frequentemente tomam como ponto de partida uma economia teórica e abstrata. Em termos concretos, a composição setorial da economia brasileira não é determinada por mecanismos de mercado. A política tributária evidencia claramente que o setor agroextrativista é priorizado em detrimento da indústria.
Para que o mecanismo de mercado possa ditar a composição setorial do PIB brasileiro, é preciso que todos os setores sejam tratados da mesma forma. Deste modo, a produtividade de cada empresa e cada setor, assim como as preferências do consumidor brasileiro, guiariam a decisão dos investidores.
Sendo assim, uma agenda de isonomia tributária – tratar todos os setores com as mesmas regras – é capaz de atrair liberais e desenvolvimentistas, ortodoxos e heterodoxos. Se você acha que a indústria é mais importante do que a agricultura, a agenda de unificação das alíquotas é urgente. Se, por outro lado, você acredita que a composição setorial da economia deve ser determinada pelo mercado, a mesma agenda faz sentido.
Ao invés de perder tempo com pequenas divergências, o momento do país exige que os economistas foquem nesta importante convergência para gerarmos um sistema tributário mais justo e eficiente. No debate da reforma tributária, não faltarão lobistas dedicados a pensar em parcelas da sociedade, em detrimento do todo. Seria desastroso se aqueles que pensam no bem comum continuassem divididos por picuinhas que só beneficiam as forças do atraso.
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