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Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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Segundo uma famosa piada de Ivan Lessa, três entre quatro políticos não sabem que país é este, e o quarto acha que é a Suíça. Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (8), que infelizmente não é famosa nem piada, sugere que a situação é ainda pior do que Lessa supunha: entre os brasileiros comuns, 2 entre 4 acham que este país é a Suíça.

Os números estão em pesquisa da Oxfam Brasil, em parceria com o Datafolha. Metade dos entrevistados acredita que, com uma renda de R$ 20 mil, um brasileiro está entre os 10% mais ricos do país. A renda mínima para estar entre os 10% mais ricos do Brasil está bem longe do suposto e abaixo de R$ 5 mil.

Dados do World Income Database mostram que o valor apontado por metade dos brasileiros está mais próximo da realidade suíça ou alemã. Quem ganha R$ 20 mil por mês estaria entre os 6% mais ricos da Suécia e entre os 5% mais ricos da França.

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Os resultados da pesquisa Oxfam/Datafolha deixam claro: o desconhecimento sobre a realidade econômica brasileira ultrapassa barreiras sociais. 38% dos brasileiros acha que está entre os 25% mais pobres. Outros 47% se veem no segundo quarto menos pobre da população. A depender da opinião pública, a metade mais pobre do país compreende 85% da população. Por outro lado, só 5% dos brasileiros considera estar entre os 25% mais ricos do país.

Noutra pergunta, 0% dos entrevistados responderam que são ricos. Nossos ricos, aparentemente, acham que são da classe média. A pesquisa também aponta que a esmagadora maioria dos entrevistados apoia maiores impostos para os mais ricos. Portanto, é razoável supor que o brasileiro defende uma maior tributação em cima de terceiros, que são ricos, mas não quer pagar nada nessa conta. Assim fica fácil.

Todo esse descolamento da realidade traz consequências práticas para a política pública. O ponto de partida em qualquer política de redistribuição é definir quem paga e quem recebe. Se essa definição não for boa, a política de redistribuição deixará a desejar.

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Quando há uma incompreensão generalizada sobre a distribuição de renda do país – quem são os pobres ou os ricos –, é provável que as políticas redistributivas fiquem caras e ineficientes, com menos financiadores e mais financiados do que o desejável. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. Não foi o acaso que nos tornou o país mais endividado e com um dos maiores Estados entre os emergentes, mas ainda incapaz de redistribuir renda eficientemente.

O brasileiro sabe que, com um salário de R$ 10 mil, não é possível acender charutos cubanos com notas de cem dólares nos bares mais caros de São Paulo. Mas luxos extravagantes não definem um homem rico, ao menos no que é relevante para a formulação de política pública. É impossível, num país pobre como o Brasil, ter um Estado fortemente redistributivo só tributando grandes milionários, pois eles não existem em quantidade suficiente em nosso país. O sujeito que ganha R$ 10 mil precisa entrar no bolo, caso um Estado assim seja o desejo da sociedade. Como convencer alguém que não é privilegiado a pagar sua parte nesta conta?

A situação fica muito mais grave quando lembramos da obra de dois economistas: Aaron Director e Marcos Mendes.

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O primeiro, professor da Universidade de Chicago e cunhado de Milton Friedman, deu nome à Lei de Director. Segundo esta ousada e verdadeira tese de economia política, os incentivos presentes na maioria das democracias fazem com que a maioria dos Estados de Bem-Estar Social redistribuam dinheiro dos pobres e ricos para a classe média.

De modo abstrato, no mundo das definições, políticas sociais tiram do rico para dar ao pobre. Mas, como Director evidencia, nada nas democracias obriga as coalizões a de fato se formarem em torno dos mais pobres. Na verdade, os incentivos postos favorecem a formação de uma coalizão em torno da classe média, sem uma direção eficiente na alocação de recursos. Novamente, qualquer semelhança com o Brasil que gasta 0,5% do PIB com Bolsa Família e quase 14% com Previdência não é mera coincidência.

Já Marcos Mendes, técnico do governo Temer que chegou a ser cogitado para o governo Bolsonaro, escreveu o elogiado livro “Por que o Brasil cresce pouco? – desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro”.

O leitor atento talvez tenha notado que já citei e recomendei o livro de Mendes noutras vezes. Ao leitor desatento, reitero: trata-se de um grande livro, essencial para entender os dilemas econômicos do Brasil neste momento da história.

A tese de Mendes é intrigante. Em suas palavras, “a alta desigualdade em um ambiente democrático gerou incentivos a uma disputa com características rent-seeking que tem bloqueado o crescimento econômico” do Brasil.

A trajetória do país no século 20 fez com que um país muito desigual chegasse ao fim da ditadura militar com bem menos redistribuição de renda do que o desejado pela população. Até então, o Estado brasileiro era principalmente um investidor em infraestrutura e direcionador de subsídios a empresários amigos – um cenário distante do atual, no qual os gastos com previdência e funcionalismo dominam o orçamento.

Como resultado, as demandas vieram de modo atabalhoado na Constituição de 1988. O Estado pouco a pouco parou de investir em infraestrutura, mas passou a conceder benefícios de modo atabalhoado, sem critérios explícitos, gerando o atual ciclo de descontrole fiscal. O número de pessoas recebendo benesses do Estado é muito maior do que o orçamento seria capaz de bancar, prejudicando justamente os mais pobres.

A Lei de Director e a tese de Marcos Mendes mostram efeitos práticos do descolamento entre a visão do brasileiro e a realidade econômica do país. Tal desconhecimento se une à Lei de Director para formar o cenário desenhado por Mendes.

O brasileiro acha que o Brasil é muito mais rico do que ele realmente é. Assim, vai ser difícil fechar o orçamento do governo.

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