Muita gente escreveu que o teto de gastos beneficiaria os rentistas. Deve ter sido um plano de rentistas masoquistas e interessados no fim da própria classe. Num passado razoavelmente próximo, títulos públicos rendiam quase 10% ao ano em termos reais. Hoje, o retorno real dos mesmos títulos ronda 1% a. a. no curto prazo e 3% a. a. no longo prazo. Em 3 anos, o teto de gastos triturou o rentismo brasileiro.
Se o leitor espera que certos economistas reconheçam os próprios erros, espere sentado para evitar a fadiga. O rentismo financeiro está em crise, mas o rentismo ideológico vai de vento em popa. Quanto maior a polarização política, maior a oferta de otários, o que aumenta também a demanda por enganadores. Como muitos profissionais do setor são servidores públicos nas horas vagas, a enganação gera lucro em dobro. O mercado é implacável.
Vale lembrar que, mesmo no auge da crise econômica e com a Selic em 14,25% ao ano, o mercado precificava uma alta dos juros no curto prazo. Ninguém acreditava no Brasil. Era dificílimo encontrar quem emprestasse dinheiro ao Estado brasileiro sem cobrar taxas de juros estelares.
Teto de gastos: o que aconteceu
O que diziam os defensores do teto de gastos? A emenda constitucional representava um firme compromisso com a responsabilidade fiscal. Sendo assim, permitiria alguma normalização das taxas de juros ainda antes da reforma da previdência. Quando viesse a inevitável reforma previdenciária, os juros poderiam desabar, pavimentando um caminho para a retomada do PIB e o controle da dívida pública.
Afinal, o que aconteceu? Precisamente aquilo que era previsto pelos defensores do teto. Para ser sincero, até que a realidade foi mais generosa do que era esperado. Inicialmente, houve o susto do Joesleygate, que adiou a reforma da previdência. Mas a aprovação eventualmente veio no meio deste ano e, a partir daí, a taxa de juros mergulhou abaixo de todas expectativas.
Os juros e o PIB
No primeiro texto de 2019, escrevi que a estabilização da dívida pública como proporção do PIB não ocorreria no mandato de Jair Bolsonaro. Errei. Os juros caíram muito mais do que o imaginado, de modo que a estabilização da dívida já virou cenário-base de muita gente. Nos próximos anos, esse movimento deve gerar centenas de bilhões de reais em redução de gastos com juros da dívida.
Da mesma forma, a queda da Selic deve gerar uma taxa de crescimento do PIB consideravelmente superior à dos últimos anos, pouco mais de 2%. Ainda é menos do que gostaríamos, mas já é o suficiente para aparecerem mostras nítidas da recuperação cíclica. É provável que a geração de empregos formais também cresça em 2020. Pela primeira vez desde a crise, a população começa a sentir sinais de melhoria em seu cotidiano.
Por que atribuo tanta importância ao teto? Por um motivo simples. As taxas de juros no curto prazo geralmente são determinadas pela política monetária e pelo momento do ciclo econômico. Tanto em 2013/14 quanto em 2020, a SELIC chegou à mínima histórica em termos reais. Em ambos os casos, foi porque o governo queria estimular a economia.
Já a taxa de juros a longo prazo, definida pelo mercado, é determinada pela política fiscal e pelo prêmio de risco – traduzindo do economês, me refiro à saúde das contas públicas, à probabilidade de calote do governo. É aí que aparece o efeito do teto de gastos. Decisões sobre investimentos privados em infra-estrutura, por exemplo, são influenciadas principalmente pela taxa de longo prazo. Neste aspecto, as diferenças entre 2013/14 e 2020 são gritantes.
É aí que entendemos porque o atual cenário não tem paralelos no passado do Brasil. No governo Dilma, o mercado não acreditava que as baixas taxas de curto prazo seriam sustentáveis e precificava uma forte alta no futuro. Hoje, os juros de longo prazo estão ao redor de 3% ao ano em termos reais, uma taxa muito baixa para os nossos padrões históricos.
Por isso, novas reformas que reforcem a credibilidade das contas públicas brasileiras tendem a potencializar ainda mais o efeito do teto de gastos, reduzindo os juros a longo prazo. As PECs emergencial e do pacto federativo, bem como a autonomia do Banco Central, estão na pauta legislativa deste início de ano. Não é por acaso. Paulo Guedes e Roberto Campos Neto entendem muito bem o que aqui escrevo.
Com juros estruturalmente menores, diversos projetos de longo prazo se tornam viáveis. Aquela licitação de metrô que acabou sem interessados pode encontrar um investidor dispostos a tira-la do papel. O mesmo vale para obras de saneamento em regiões carentes. Ao contrário das previsões catastróficas, a PEC do fim do mundo foi o início de um novo Brasil.
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