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2 em 1: Bigbang no Jokers e a Nova MPB em forma de Passo Torto no Paiol
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Em dois dias, Curitiba foi da Faria Lima à Noruega. Na verdade ao contrário. A Bigbang, uma das maiores bandas de rock da parte de cima e gelada do planeta, como eles mesmos gostam de frisar, tocou no Jokers, na sexta-feira, na companhia da Banda Gentileza. Dia seguinte, o Paiol serviu de palco para o Passo Torto, grupo paulista formado pelos matutos Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Marcelo Cabral – que no show por aqui foi substituído por Meno Del Picchia. O engraçado foi que Rodrigo e Kiko estavam no show da Bigbang, embora não prestassem muita atenção. A coisa deles é outra, bem outra, brasileiramente outra. Isso apesar da apresentação precisa e entusiasmante do trio Øystein Greni (guitarra e voz), Olaf Olsen (bateria) e Nikolai Eilertsen (baixo).

Mas o protocolo mudou. A anfitriã é que deveria abrir a noite, lá pelas 23h50. Mesmo acostumados a ver o sol nascer às 10h no inverno, os convidados acharam que ia ficar muito tarde se tocassem depois. E a coisa se inverteu, para a surpresa de alguns. Paciência.

Jean Rodri

Na entrevista que concedeu alguns dias antes do show, Øystein Greni disse que a banda era “um grupo de rock clássico com a energia do skate misturado a um folk do mal”. Fora a parte do skate, é quase isso mesmo. A Bigbang tem a força de um power trio setentista, mas não soa datado. Há ecos de um Fleet Foxes mais nervoso misturado a nacos de Black Sabath e Led Zeppelin, influências muito perceptíveis na guitarra de Greni. O baterista é um show à parte. No estilo, o cara lembra Mick Fleetwood, da lendária Fleetwood Mac – que, aliás, anunciou nesta semana uma turnê depois de três anos. Já na aparência, ele está mais para um Inri Cristo descompromissado: Nikolai tocou descalço e a faixinha vermelha no cabelo atraía todos os olhares.

O show foi baseado no último disco (Epic Scrap, de 2011), mas teve músicas de outros álbuns. Prova disso eram uns três ou quatro fãs mais animados que cantavam em coro alguns refrões, de fato empolgantes. Greni é um ótimo frontman e tem muitos trejeitos, inclusive físicos, de Kurt Cobain. Vale lembrar que o Bigbang surgiu em 1992, ano de lançamento de Nevermind.

Então, em certa parte do show, era como se o Jokers tivesse se transformado em uma balada típica do Crossroads, com uma diferença crucial: a banda que estava ali não era cover. Em outro momento, tudo aquilo parecia algum filme baseado no estilo Dogma 95, criado pelos dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. Explica-se. Ao que parece, muitos parentes dos noruegueses curtiram a ideia de descambar para um país tropical. Viam-se senhores e senhoras muito altos, loiros e bem vestidos, exibindo elegância e imponência, mesmo com um chopp na mão. Ao final do show, alguns deles compraram CDs e camisetas da banda de seus parentes. Vai entender.

Já o momento de interação foi meio desastroso. Uma garota gritou alguma frase, e Greni respondeu rapidamente: “isso é sueco! É como se você fosse brasileiro e alguém falasse ‘argentino’”, disse o músico, na brincadeira, mas meio contrariado.


Outro fato importante, perceptível claramente e comentado até mesmo pelos músicos da Banda Gentileza, foi o profissionalismo do trio, o que acaba fazendo muita diferença mesmo quando a banda gringa não é lá essas coisas. Há um técnico de som exclusivo da Bigbang, que sabe as preferências e as manias de cada integrante. A diferença se ouve, nitidamente, no palco.

Passo Torto
Mesmo antes da formação do Passo Torto, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos e Kiko Dinucci eram incensados por seus trabalhos paralelos. Eles carregam nas costas o fardo da dita Nova MPB, que retoma a canção, embora façam isso com toques pessoais: Rômulo é mais cabeça; Rodrigo é um narrador sensível; e Kiko, um instrumentista singular.

O lançamento do disco homônimo do grupo, ano passado, mostrou que a união dessas características, somadas ao baixo de Cabral (coprodutor do álbum de Criolo), conseguiu criar um supergrupo que está pronto para fazer história. Mesmo que Kiko Dinucci conscientemente relativize isso, a primeira apresentação em Curitiba provou que, não importa se com o Passo Torto ou com seus trabalhos originais, eles vieram mesmo para permanecer e influenciar. Lá no Paiol, foi como ver parte do futuro da música brasileira em seu momento presente.

Enio Vermelho Jr.

“A Música da Mulher Morta” despontou na noite como se Itamar Assumpção estivesse logo ali. Choraram cavacos, bandolins e violões. E cantaram Kiko e Rômulo. Apesar de o show não ser complexo – afinal de contas, são só quatro pessoas, três delas sentadas, tocando seus respectivos instrumentos – o show é incrivelmente detalhista.

Entre as músicas, muitas histórias foram contadas por Dinucci, que recentemente lançou Metal Metal, segundo álbum do coletivo Metá Metá. Histórias, na verdade, que são a matéria-prima para as composições de Rodrigo Campos, músico que lançou em 2009 o ótimo São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe, disco-crônica da periferia de São Paulo. Seu olhar sensível para o que está ao redor permaneceu durante as gravações de Passo Torto.

“Faria Lima para Cá”, explicou Kiko, foi composta por Rodrigo depois que a linha amarela do metrô de São Paulo apareceu perto de sua casa e, como contrapartida, fez aumentar o aluguel de seu apartamento. Crônica pura. A música tem um delicioso sabor de afrossamba.

E, se Rodrigo é o cronista, Rômulo é mais cerebral, até mesmo no palco. Suas composições também dialogam com o mundo ali da rua em frente, mas de uma forma calculada, imagética. Rômulo é menos narrativo, é o contraponto. Kiko, por sua vez, demonstrou duas coisas: como é difícil tocar as músicas do Passo Torto; e, ao mesmo tempo, como ele é bom pra caramba no que faz.

Enio Vermelho Jr.
Kiko e Rodrigo, virtuose e ponderação.

“Por Causa Dela”, talvez a mais pop do disco, foi acompanhada por um coro baixinho, e serviu para que uma das histórias do show – a de que algumas músicas foram refugos de outros discos –, ganhasse um desfecho certeiro. “Não vamos deixar o insucesso subir à cabeça”, disse Rodrigo. Touché.

A elegantemente sexy “Sem Título Sem Amor” fala ironicamente sobre o fim da canção, que ainda respira justamente com o Passo Torto. E a brincalhona “Cavalieri”, inspirada, segundo os próprios, no filme “O Incrível Exército de Brancaleone”, filme de 1966 de Mario Monicelli, encerrou os trabalhos, deixando claro que a canção está viva, a Nova MPB é de verdade e o Paiol viveu um show cuja foto deve ser pendurada na parede daquele espaço daqui a não muito tempo.

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