Para bandas miúdas ou apresentações alternativas, o Teatro do Paiol não é pequeno, mas aconchegante. Foi assim nos três shows anteriores da banda gaúcha Apanhador Só naquele espaço semi-mítico. Na última sexta-feira, quando os guris gaúchos pisaram novamente naquele palco para mostrar ao vivo o disco Antes que Tu Conte Outra, não havia lugar nem para eufemismos. Estava todo mundo apinhado.
Na porta do teatro às 20h45, ecoava a frase “acabaram os ingressos” e suas versões (a politicamente correta “putz, acabou”; a indignada “cacete, que bosta que acabaram os ingressos”; a descrente “não acredito nisso”; e a culposa “falei que era para termos comprando antes!”). E aí, tanto garotas bem-vestidas que chegavam de táxi e rapazes apressados e esbaforidos que haviam acabado de sair do trabalho franziam a testa e praguejavam contra sua própria expectativa não confirmada, a de encontrar convites de última hora para o show de uma banda em interessante fase de transição.
Conforme havia adiantado na entrevista da semana passada, a Apanhador Só reproduziu 100% do que foi gravado no disco — que desconstruiu o “trauma do segundo álbum” ao quase ignorar o primeiro.
Os barulhos desconexos da introdução de “Mordido”, que abriu os serviços; o ruído incômodo do esfregar de microfones em “Lá em Casa Tá Pegando Fogo” – que encontra alento na harmonia vocal “gregoriana” do restante da música –, e a fidelidade, por exemplo, de “Despirocar”, que revelou uma banda redondíssima mesmo quando a intenção é desafinar emulando falsetes fantasmagóricos. Tudo isso.
A irônica “Líquido Preto” ganhou coro de duzentas vozes. Muitos cantavam e riam ao mesmo tempo, comprovando o dialogismo criado pela música-deboche. Em “Nado”, uma interação arriscada: foram distribuídos instrumentos sucateiros – latas de manteiga Aviação e chocalhos diversos — com a ideia de repetir a entropia ouvida na gravação. “É proibido tocar no ritmo”, avisou o guitarrista Felipe Zancanaro. O caos veio no fim da música, enquanto Alexandre Kumpinski cantava “Eu não to dizendo nada/ Eu não tô dizendo nada”. Com discurso coerente, verso certeiro e participação “popular”, a Apanhador Só discute, no fim das contas, o próprio fazer artístico.
“Por Trás” passou despercebida, e “Reinação” e “Cartão Postal”, as mais cancioneiras do novo álbum, acalmaram os ânimos — exaltados depois de toda aquela despirocação — embora tenham demonstrado alguma fragilidade.
No bis, a banda mandou “Maria Augusta” e “Nescafé”, músicas do primeiro disco – e poderiam ficar ali a noite adentro, dado o número músicas requisitadas.
O momento da Apanhador Só é crescente e ousado. Com um disco “difícil” nas mãos, soube fazê-lo acontecer ao vivo ao respeitar sua essência. No palco, a postura discreta da banda, ao contrário do que um dia foi timidez, denota confiança. Resultado direto disso é que seu público também aumentou. E lotaria dois Paióis se isso fosse possível.