Ele nunca fez aulas de inglês, mas descreve Six Months of Death, seu mais recente projeto musical, como “the ultimate product of a long-lasting writer’s block and a long-term mental unsettling”. Aulas, só de bateria. Mas ele não passa vergonha com violão, guitarra, teclados, baixo. Nas baquetas, vai com uma mão nas costas: é fácil perceber algum tipo de vocação nata, ou esforço contínuo. Ou os dois, que geralmente andam de braços dados.
Fã do (escolha seu adjetivo aqui: “misógino”, “gênio”, “desnecessário”) cineasta Lars Von Trier, o curitibano Lorenzo Alberti Molossi, de 17 anos, adotou o pseudônimo de François Veenstra — o diretor de cinema que gostaria de ter sido — para lançar uma espécie de trilogia musical. O segundo capítulo, disponibilizado virtualmente em março, é uma junção incrível de talento, criatividade, vontade e bom gosto. Certamente estará na lista dos melhores discos lançados na terra dos pinheirais por esse 2013. Na minha, ao menos. Às explicações.
Baterista da banda Dunas – que irá lançar seu EP no fim deste mês – Lorenzo costumava mostrar músicas em inglês durante os ensaios do grupo. Acontece que a Dunas canta em português. Até tentaram adaptar uma ou outra faixa. Traduzi-la, na verdade. Não deu. Veenstra “perdeu o chão”. Sem rancor algum, ele engatou uma terceira: a produção paralela continuou, assim como sua participação na banda.
Então, um sonho. “Eu estava no meio da floresta, não sabia o que fazer. Fiquei pensando vários dias nisso, nessa situação, aí nasceu o projeto.” Journey to the Sea (2012) é seu primeiro registro como François Veenstra. A história? — sim, tem história e conceito. A de “um cara que acorda no meio do nada, não lembra de nada, vê um rio e não o entende. Ele pensa que, no fim do rio, pode cair no mar. Ele nunca viu o mar, mas quer chegar lá”, detalha Veenstra.
O som é viajante e inspirador. Vai do cerne de um dream pop (pense na base simples e etérea de um Galaxie 500) a um post-rock lento e didático, permeando ambientações quase palpáveis. Na verdade, funciona como a continuação de seu sonho. Algumas faixas lembram isso até no nome, caso de “A Hike”, “Snow” e “A Coastal Landscape”. “Quando terminei o primeiro disco, vi que precisava continuar. Queria mais”, diz.
A história continuou com o lançamento de Six Months of Death, seu melhor registro. “Quando o cara chega no mar, ele percebe que não traçou nenhum outro objetivo. Ficou perdido. Foram seis meses andando. Foram seis meses de morte”, sentencia.
Parênteses. A trama daria assunto para filósofos de boteco e psicólogos de plantão. Porque poderia refletir parte do mundo atual (e Lorenzo, nascido nos anos 90, seria um ótimo representante), que vive sem viver e se abraça com o instantâneo (a recompensa não era o que se esperava e o caminho para se chegar lá não foi degustado); e também uma descrença crescente em quase tudo, além de falta de motivação crônica, apesar do estabelecimento de um destino – os tais “seis meses de morte”. Desse jeito nem parece que falamos de um garoto de 17 anos.
Então pode ser também, na verdade deve ser, só uma mistura do que Lorenzo lê atualmente — A Batalha, quarto tomo da série fantástica O Aprendiz, de Joseph Delaney — com suas ótimas referências musicais. Um exemplo é o múltiplo Brian Eno, de quem é “fã declarado”. O músico e produtor também é coinspirador do nome de sua banda (Dune é um filme do mago David Lynch que tem trilha assinada por Eno). Veenstra cita igualmente Explosions in the Sky, grupo norte-americano expoente do post-rock que, puxa, era atração confirmada no Sónar 2013, festival que subiu no telhado.
O fato é que o seu segundo disco é impressionante. Mais convidativo que seu registro de estreia, o álbum de dez músicas – agora são nomes fugidios como “Negative Space”, “Evening” e “An Altar Near the Skies” – nos jogam no mundo paralelo das experimentações sinestésicas de Brian Eno sim, e também para o lado de Thom Yorke (a sutileza, o timbre e o cuidado vocal estão aí para provar), da experimentação (as diferentes formas de conexões entre as faixas) e daquele poder estranho que tem a música de criar uma jeringonça para teletransporte instantâneo.
Mas para isso é preciso ouvir Six Months of Dead com gosto, calma e bons fones de ouvido. Ouvir como um álbum. Porque não seria inverdade se dissesse que as notas ao piano na primeira música parecem gotas d´água caindo de uma estalactite, que “Sail on Seawind” está mais para uma tranquila viagem de barco que termina em uma cachoeira cheia de pedras pontudas, ou que, em “Evening”, o arpejo preguiçoso em um violão surrado nos faz ter a mesma sensação de quando acordarmos em uma manhã gelada de domingo, um domingo estranho e infinito, que antecede uma monstruosa avalanche que logo despenca com “A Bear/ A Fire/ A Cave”.
O que deixa o trabalho de François Veenstra ainda mais interessante é seu modus operandi. Ele registra tudo o que cria em um gravador de mão modelo Tascam DR-40. Portátil e com boa captação, é o toque artesanal necessário a um projeto quase onírico.
Lorenzo grava os instrumentos no seu quarto, em uma casa perto da Igreja dos Passarinhos, no Bigorrilho; e a bateria, no porão do escritório do seu pai, no Santa Quitéria. Depois, passa tudo para o computador. Aí acrescenta os efeitos e a ambiência desejada. Punks do século 21.
Não por coincidência, este é o mesmo processo abraçado pelo The Microphones, one man band do norte-americano Phil Elvrum. “Foi por causa dele que comecei a fazer assim”, explica Lorenzo. O terceiro e último episódio da saga musical ainda não tem nome, mas chegará em breve.
Sobre shows, desconversa. “Não gosto muito de me apresentar. Se quiserem eu faço, mas preciso de alguém pra tocar bateria.” Fã de vinis, o músico estuda Jogos Digitais na PUCPR à noite — “não queria, meus pais insistiram” – e, pela manhã, ajuda o pai em um escritório de advocacia. No resto do tempo, e principalmente em seus sonhos, cria. É quando, puf. Lorenzo Molossi vira François Veenstra.
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